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Notícia
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28/07/2025

Controle da polícia têm se desestruturado em SP, diz Gabriel Sampaio

Dois anos após início da Operação Escudo, diretor da Conectas destaca falhas no controle policial e impunidade frente ao aumento da letalidade em São Paulo

Foto Mário Agra/Câmara dos Deputados


Foto Mário Agra/Câmara dos Deputados


Em julho de 2025, completam-se dois anos desde o início da Operação Escudo na Baixada Santista, uma ação que expôs a face violenta da política de segurança pública de São Paulo e gerou pânico em municípios da região. Desde então, moradores de comunidades periféricas seguem enfrentando operações marcadas pela falta de transparência, abusos, invasões domiciliares, intimidações e execuções sumárias.

Dados recém-divulgados do Anuário Brasileiro de Segurança Pública de 2024 revelam a gravidade da situação: em Santos e São Vicente, 66,1% das mortes violentas foram causadas por policiais, os maiores índices do estado e entre os mais altos do Brasil. Essas operações, que incluem as mais letais da PM desde o massacre do Carandiru em 1992, continuam a deixar um rastro de violência sem respostas.

Embora haja denúncias constantes de violações de direitos humanos, as autoridades estaduais mantêm o foco em intervenções militarizadas e no uso indiscriminado da força, dificultando o acesso à justiça e evitando a responsabilização dos agentes envolvidos.

A Conectas , em parceria com movimentos e entidades da região, tem monitorado as operações, denunciando as violações nacional e internacionalmente e cobradando investigações independentes. A persistência da letalidade policial e a falta de respostas concretas reforçam a urgência de se romper com modelos de segurança baseados no confronto armado, destacando a necessidade de um controle externo das polícias e políticas que priorizem direitos e igualdade.

Para discutir os desafios da letalidade policial em São Paulo, conversamos com o advogado Gabriel Sampaio, diretor de litigância e incidência da Conectas, que tem liderado ações de denúncia e incidência sobre a violência policial na Operação Escudo e outras operações. Ele compartilha sua visão sobre os caminhos necessários para superar o ciclo de violência no estado.

Conectas: Nesses dois anos das Operações Escudo e Verão, como você avalia o aumento da letalidade policial no estado de São Paulo e a atual política de segurança pública adotada pelo governo? 

GS: O aumento da letalidade policial em SP e os casos de violações de direitos humanos que tem se repetido no estado tem sido consequência direta de uma política de segurança pública que, desde seu início, tem desestruturado políticas de controle da atividade policial e reforçado a politização do uso da força. Antes mesmo das Operações, a Conectas e outras organizações do campo dos direitos humanos, juntamente com a gestão anterior da Ouvidoria das Polícias, o Núcleo de Direitos Humanos da Defensoria Pública, já denunciava que as propostas lideradas pelo atual governador e secretário de segurança pública trariam esse resultado negativo. Ao longo do tempo tivemos que tomar medidas concretas para evitar retrocessos maiores como a própria política de câmeras corporais, além de denúncias aos diversos órgãos do sistema internacional de direitos humanos.

Conectas: Como você enxerga a postura do Ministério Público ao manter arquivados tantos inquéritos envolvendo policiais militares durante a operação Escudo, inclusive em casos de absolvição de agentes inicialmente condenados por mortes? Que efeitos essa atuação (ou falta dela) traz para o combate à impunidade policial? 

GS: A atuação do Ministério Público tem frustrado nossas expectativas, reforçando críticas já endereçadas ao tempo dos crimes de maio (2006). A instituição, lamentavelmente, não tem apresentado resultados no controle externo da atividade policial, tanto do ponto de vista da prevenção quanto da responsabilização. Casos de arquivamento sustentado na tese da legítima defesa deveriam ser revistos, sobretudo porque, no nosso entendimento, o reconhecimento dessa excludente de ilicitude, especialmente nos casos das Operações Policiais com indícios de violações de direitos humanos, não deve ocorrer em momento tão precoce, sem o crivo do processo judicial e da apresentação de provas perante o sistema judicial, sob as garantias dos protocolos mínimos de produção probatória. Nesse cenário, é preciso cobrar a instituição de respostas mais efetivas e de uma política institucional mais robusta e voltada a resultados no controle externo da atividade policial.

Conectas: Nesse período, houve avanços concretos na busca por justiça e reparação às vítimas e familiares atingidos pela Operação Escudo? Que resultados efetivos você, enquanto advogado e parte da Conectas, poderia destacar no diálogo e trabalho conjunto com os familiares? 

GS: De avanços podemos destacar o trabalho exercido pela Defensoria Pública do Estado de São Paulo liderado pelo Núcleo de Direitos Humanos, reforçando o papel da Rede Apoia, iniciativa que deve ser fortalecida e ter seu alcance ampliado.

Conectas: Como cortes e tribunais internacionais, como a Corte Interamericana de Direitos Humanos e outros organismos internacionais, têm avaliado o aumento da letalidade policial em São Paulo? Há recomendações, advertências ou sanções recentes que você considere relevantes nesse contexto? 

GS: Sim, houve pronunciamento da CIDH sobre as Operações, a Comissão condenou a morte de 16 pessoas durante ação policial da Operação Escudo, na Baixada Santista. Pediu investigação rigorosa, responsabilização dos envolvidos e reformulação das políticas de segurança, destacando preocupação com a violência policial e discriminação racial.
Também endereçamos e atualizamos relatórios e informações que também incluem o sistema ONU. É de se destacar que o país e, notadamente, o Estado de São Paulo tem sido objeto de decisões recentes do sistema interamericano e que dialogam com os casos recentes de letalidade, seja no âmbito da Comissão Interamericana de Direitos Humanos, como também no âmbito da Corte Interamericana com a condenação do estado no Caso Castelinho.

Conectas: O uso de tecnologias como câmeras corporais poderia ter evitado algumas mortes ou facilitado a responsabilização dos agentes? O que impede que essas ferramentas sejam implementadas mais amplamente? 

GS: Certamente. Estudos comprovam a efetividade do uso das câmeras corporais para esses fins. As câmeras corporais são ferramentas fundamentais para redução da letalidade policial, garantem prevenção a práticas criminosas, inclusive de policiais, evitando mortes e permitindo produção qualificada de provas, tanto em casos de violência praticada por policiais como contra policiais. É nítido que os ataques à política de câmeras, bem como as tentativas de seu esvaziamento e a ausência de monitoramento mais efetivo impactam no alcance mais efetivo de maior prevenção e responsabilização de agentes. Há de se destacar que a mudança do método de gravação que afasta a gravação ininterrupta também pode representar perda de maiores resultados do programa. O que impede que essas ferramentas sejam implementadas mais amplamente é o descompromisso político da secretaria de segurança pública e do governo estadual com o enfoque do programa, também refletido pela atuação do Ministério Público que também não prioriza sua efetividade no controle da letalidade policial.

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