No dia 8 de agosto, o governo lançou uma consulta pública para discutir a atual estrutura de governança da internet brasileira. Hoje, as decisões competem ao CGI (Comitê Gestor da internet), que congrega membros do poder público, setor empresarial e da sociedade civil.
As principais mudanças propostas na consulta dizem respeito à composição do CGI e à competência do Comitê. Hoje, o grupo é multissetorial e proposta do governo dá margem para que as empresas de telecomunicações conquistem mais espaço – atualmente esse setor ocupa apenas um assento.
Além disso, o CGI.br é responsável por estabelecer diretrizes para o setor de internet e recomendar os padrões técnicos que regem a estrutura de rede no país. A consulta pública, que ficará disponível até 8 de setembro, pergunta como é possível atualizar essas competências e concatenar esforços, o que pode restringir o escopo de atuação do grupo.
O CGI.br foi criado em 2003 e ganhou destaque com a aprovação do MCI (Marco Civil da Internet), em 2014, e ampliou o seu escopo de trabalho. Para explicar um pouco mais sobre o trabalho do CGI.br e como a consulta pública pode oferecer riscos à configuração atual da internet brasileira, conversamos com Flávia Lefrève, advogada e representante do terceiro setor no CGI.br.
Leia a entrevista na íntegra:
Conectas – Qual é o papel do CGI.br (Comitê Gestor da internet no Brasil) na proteção dos direitos dos internautas no país?
Flávia Lefèvre – Além de promover a racionalização da gestão, expansão e uso da internet no Brasil, o CGI.br também recebeu atribuições para definir diretrizes e boas práticas no que diz respeito à neutralidade da rede, bem como para recomendar normas e padrões técnicos e operacionais quanto à guarda, armazenamento e tratamento de dados pessoais e comunicações privadas [Decreto 8.771/2016, que regulamenta o Marco Civil da Internet. Ou seja, o CGI.br está envolvido não só com questões relativas à coordenação dos registros .br, mas também com a ampliação do acesso à internet no país, com a inclusão digital e com direitos fundamentais, na medida em que tanto a neutralidade da rede, quanto questões de segurança do uso da rede e de proteção de dados pessoais afetam diretamente garantias como liberdade de expressão, direito à informação livre, não discriminação e privacidade.
Conectas – Que riscos a consulta pública proposta pelo governo federal representa para a governança da internet no Brasil?
Flávia Lefèvre – O risco é perder o caráter plural, democrático e interdisciplinar que caracteriza a atuação do CGI.br, no caso de o setor governamental e empresarial conquistarem maior peso após o processo de revisão do modelo do conselho. Seria um prejuízo enorme, especialmente porque o uso da internet implica em direitos fundamentais e, portanto, demanda uma governança com a participação de múltiplas partes para manter o equilíbrio. Na medida em que a consulta se propõe a rever as atribuições e competências do CGI.br, corremos o risco de que posicionamentos a respeito de questões sensíveis e bastante conflituosas -como é o caso da neutralidade da rede e das garantias de proteção de dados pessoais- venham a ser reduzidos e ganhem viés econômico, de modo a se transferir para um contexto regulatório mais engessado e menos democrático, como é o caso da Agência Nacional de Telecomunicações, a definição de diretrizes estratégicas para o desenvolvimento do acesso à internet no país.
Conectas – Inicialmente o CGI.br tinha demonstrado resistência em relação à consulta pública, mas na reunião do último dia 18, resolveu aderir. Que tipo de contribuições o CGI pretende oferecer no processo de consulta pública
Flávia Lefèvre – Em nenhum momento o CGI.br resistiu a tratar da revisão da estrutura do conselho. Até porque o assunto não havia sido sequer cogitado. Mas também não “aderiu” à proposta do governo.Muitos dos conselheiros da sociedade civil manifestaram-se contra o modo como o governo conduziu o processo; basta ler a ata da reunião para constatar a contrariedade ao caminho escolhido pelo governo. Ficamos sabendo que o governo tinha a intenção de fazer alterações no modelo de governança da internet, literalmente da noite para o dia. Considerando que o próprio Marco Civil da Internet prevê que “constituem diretrizes para a atuação da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios no desenvolvimento da internet no Brasil o estabelecimento de mecanismos de governança multiparticipativa, transparente, colaborativa e democrática, com a participação do governo, do setor empresarial, da sociedade civil e da comunidade acadêmica”, entendemos que o lançamento da consulta pública por meio de documento elaborado de forma unilateral pelo governo contraria o caráter plural que deve orientar qualquer processo, como está claro pelo teor da lei. Foi com esse espírito que os debates se deram e por isso chegamos a um consenso. A decisão a que chegamos na reunião do último dia 18 de agosto foi a seguinte: as contribuições recebidas pelo governo até o dia 8 de setembro no processo de consulta pública serão encaminhadas ao CGI.br, que processará o material e abrirá prazo para apresentação de novas contribuições a serem feitas na plataforma do NIC.br até o VII Fórum da internet no Brasil, que neste ano ocorrerá em novembro, no Rio, onde teremos uma sessão específica para debates sobre o tema, com a participação de todos os setores interessados, inclusive do governo. Fechada a consulta, o CGI.br enviará ao governo, até 3 de dezembro, documento de recomendação, fechado preferencialmente com base em consenso entre os representantes do governo e da sociedade civil.
Conectas – Como a sociedade civil pode reagir a este e outros ataques aos direitos assegurados pelo Marco Civil da internet?
Flávia Lefèvre – Acompanhando muito de perto todo o processo e enviando contribuições. A participação no VII Fórum também é muito importante.