Representantes de alguns dos mais importantes movimentos brasileiros se reuniram hoje, 21, durante o Fórum Social Temático de Porto Alegre, para articular forças contra o projeto de lei da Câmara (PLC 101/2015) que tipifica o crime de terrorismo.
Para Conectas, Intervozes, MST (Movimento dos Trabalhadores Sem Terra), MTST (Movimento dos Trabalhadores Sem Teto) e CUT (Central Única dos Trabalhadores), a proposta é uma ameaça à democracia, ao direito à manifestação e à liberdade de expressão, além de ampliar a criminalização de ativistas e defensores de direitos humanos, sobretudo nas periferias.
O PLC tramita em caráter de urgência desde junho de 2015, quando foi apresentado ao Congresso pelos ministérios da Fazenda e da Justiça. A primeira versão da proposta foi aprovada com pequenas alterações na Câmara apenas dois meses depois.
No Senado, a relatoria ficou à cargo de Aloysio Nunes (PSDB-SP), que apresentou substitutivo com penas ainda mais duras e retirou salvaguardas que poderiam proteger organizações e movimentos sociais. O texto foi aprovado pelos senadores no final de outubro e já aguarda nova votação no plenário da Câmara dos Deputados.
Na abertura do debate em Porto Alegre, a coordenadora do programa Sul-Sul da Conectas, Ana Cernov, explicou que o projeto responde a uma recomendação do Gafi (Grupo de Ação Financeira Contra a Lavagem de Dinheiro e o Financiamento do Terrorismo) – uma entidade que não pertence ao sistema das Nações Unidas e cujas decisões não são de cumprimento obrigatório. Por conta das pressões feitas pelo órgão, diversos países têm adotado legislações mais restritivas para evitar represálias financeiras.
“O Brasil já viu pelo menos 15 projetos de lei nesse mesmo sentido, mas nunca se chegou a um consenso sobre como tipificar terrorismo. Nem a ONU conseguiu”, afirmou Cernov. “O maior problema da lei é que ela é muito aberta, o que deixa margem para as interpretações que serão feitas pelos operadores do direito, em última instância as polícias e os juízes.”
Para Expedito Solaney, representante da CUT, o Brasil não precisa dessa lei, já que “o único terrorismo que tivemos foi o terrorismo de Estado, com o Golpe de 1964”, em referência à tortura, aos assassinatos e desaparecimentos provocados pelos agentes da ditadura militar. Outra crítica de Solaney foi ao processo de aprovação em regime de urgência, que impediu qualquer debate público sobre a proposta. “Foi uma agressão a todos os movimentos sociais, a todos nós. A democracia foi sequestrada”, disse.
Segundo Claudia Fávaro, da coordenação nacional do MTST, “foi uma surpresa muito grande para os movimentos sociais” ver um texto como esse partir da presidente Dilma Rousseff, “que já foi considerada ‘terrorista’ do ponto de vista da lei”. Para ela, os movimentos terão de repensar suas ferramentas de luta política porque suas táticas tradicionais serão criminalizadas.
Elaine Rissi, do setor de direitos humanos do MST, chegou à conclusão semelhante: para ela, o projeto se soma a outras leis que já limitam, em alguma medida, a ação dos movimentos sociais – como é o caso da Lei de Segurança Nacional, criada durante a ditadura. “Já somos criminalizados, mas seremos mais”, afirmou. “Como diz o jurista argentino Eugenio Zaffaroni, quanto maior o Estado de Polícia, menor o Estado de Direito.”
A opinião foi compartilhada por Bia Barbosa, do Intervozes, para quem o cenário fica mais complexo se considerarmos outros projetos em tramitação no Legislativo – como é o caso do PL 215/2015, conhecido como “PL espião”, que permite a retenção de informações de usuários da internet mesmo sem ordem judicial (clique aqui para saber mais).
Outro fator decisivo, explicou Barbosa, é a disseminação, através dos meios de comunicação massivos, da ideia de que o terrorismo está chegando ao Brasil. “Há um fomento da cultura do medo. Essa conjuntura é caminho aberto para aprovar um projeto como esse em regime de urgência porque não haverá resistência por parte da população”, afirmou.
A tentativa de tipificação do crime de terrorismo no Brasil já foi criticada pela ONU. Em comunicado conjunto publicado no início de novembro, quatro relatores especiais afirmaram que o texto é muito abrangente na definição e pode restringir liberdades fundamentais.
“Estamos preocupados que a definição do crime estabelecida pelo projeto de lei pode resultar em ambiguidade e confusão na determinação do que o Estado considera como crime de terrorismo, potencialmente prejudicando o exercício dos direitos humanos e das liberdades fundamentais”, afirmaram.
A posição é compartilhada por Edison Lanza, relator especial para liberdade de expressão da Comissão Interamericana de Direitos Humanos da OEA. “A definição que está sendo construída no Brasil usa termos complicados, como extremismo político, ocupação de prédios públicos e apologia ao terrorismo. Por sua amplitude, pode capturar expressões legítimas, eventualmente muito contrárias a um governo ou muito críticas contra o sistema, mas que são protegidas pelo direito à liberdade de expressão e de associação”, afirmou.