Em 17 anos, o BNDES direcionou mais de US$ 10 bilhões para exportações de empresas brasileiras de engenharia e construção civil na América Latina e África. O relatório “Banco Nacional, Impactos Globais: O apoio do BNDES à exportação de bens e serviços de engenharia e seus efeitos sobre o meio ambiente e os direitos humanos” analisa esses projetos e aponta caminhos para a proteção de direitos.
Entre os anos de 1998 e 2015, o BNDES desempenhou um papel de destaque no Sul Global por meio da concessão de crédito que possibilitou a expansão das atividades de empresas brasileiras no exterior, em especial aquelas ligadas à infraestrutura. O avanço, no entanto, veio às custas de impactos sociais e ambientais nas obras apoiadas pelo Banco.
Além de apontar as lacunas no planejamento e execução dessas obras, a pesquisa também avaliou impactos concretos, com base em quatro estudos de caso, e a partir dessa análise propõe mudanças positivas na gestão socioambiental de projetos ligados à linha Pós-Embarque, que apoia projetos de infraestrutura no exterior.
“Embora o financiamento à exportação de bens e serviços de engenharia não responda por um percentual majoritário das operações do BNDES, o volume acumulado nas últimas duas décadas alto em termos absolutos. A proposta do estudo era aprofundar o debate sobre a responsabilidade socioambiental do BNDES em sua função de agência de crédito à exportação. As recomendações contêm medidas de proteção ao meio ambiente e direitos humanos que devem ser incorporadas e aprimoradas para prevenir, gerenciar e reparar impactos socioambientais dos projetos apoiados pelo BNDES no exterior”, explica Caio Borges, coordenador do programa de Desenvolvimento e Direitos Socioambientais da Conectas.
Hidrelétricas, rodovias e aeroportos: os estudos de caso
O projeto da Central Hidrelétrica de Manduriacu construída pela Odebrecht no Equador recebeu um aporte de US$ 90 milhões. A obra afetou a Reserva Ecológica de Cotacachi, que servia como uma “zona de amortecimento”, protegendo o bioma, e também gerou impactos negativos sobre oito comunidades em que vivem 2500 cerca de pessoas. Além disso, a Central gera energia para atender cerca de 300 mil pessoas, mas os moradores das áreas impactadas não foram incluídos como beneficiários.
No Peru, a Central Hidrelétrica de Chaglla teve US$ 340 milhões financiados pelo BNDES e teve impactos diretos e indiretos sobre uma população de quase 2500 pessoas. Na época da construção da obra, as comunidades locais receberam um fluxo migratório de mais de 3500 trabalhadores, o que gerou um aumento nos casos de violência, prostituição, alcoolismo e tráfico de drogas.
O Corredor Logístico de Honduras, por sua vez, recebeu um aporte de US$ 145 milhões para a construção de dois trechos de rodovias, que afetaram diretamente 30 mil habitantes de 15 municípios. Apesar de o BNDES não ter disponibilizado o acesso a documentos de avaliação e monitoramento de impactos socioambientais, sabe-se que a obra gerou efeitos como a intensificação de processos erosivos de encostas e o deslocamento involuntário da população.
Já em Moçambique, o BNDES disponibilizou US$ 175 milhões para a construção do Aeroporto Internacional de Nacala. A previsão do fluxo de passageiros era de 600 mil por ano, mas a movimentação atual é de somente 20 mil. O contrato e o relatório de análise referentes ao primeiro financiamento não mencionam questões ambientais e sociais e o projeto como um todo é marcado por problemas de transparência.
Recomendações
Diante das violações encontradas ao longo do estudo e a partir da análise da Política Socioambiental do BNDES e das práticas de cerca de dez agências e bancos de desenvolvimento, o estudo propõe uma série de medidas que podem ser adotadas pelo banco para prevenir e mitigar impactos de suas operações de financiamento à exportação de bens e serviços.
“Uma das sugestões que fizemos, em relação à transparência, é que o Banco divulgue ativamente as informações sobre aspectos socioambientais dos projetos, como as análises dos departamentos internos e pareceres de auditorias externas”, comenta Caio. “Também enfatizamos a importância de um olhar crítico sobre os estudos de impacto apresentados pelos empreendedores e autoridades locais, além mecanismos de monitoramento participativas e indicadores e impactos a médio e longo prazo, após o desembolso”.