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14/06/2017

“Perda de oportunidade”

Em visita ao Brasil, presidente do único acordo global sobre o comércio internacional de armas convencionais lamenta falta de participação do país



O Brasil está abrindo mão de influenciar os rumos do primeiro tratado global sobre as transferências internacionais de armamentos convencionais e de ser um exemplo regional de compromisso com o comércio responsável desses equipamentos.

Essa é a avaliação do diplomata finlandês Klaus Korhonen, presidente do TCA (Tratado sobre o Comércio de Armas). Ele esteve no país entre os dias 8 e 9/6 e se reuniu com representantes do Legislativo, do Executivo e da sociedade civil para impulsionar a ratificação do acordo.

Apesar de ter sido um dos primeiros a assinar o Tratado, em junho de 2013, o Brasil ainda não completou o processo de ratificação, que aguarda análise pela Comissão de Segurança Pública e Combate ao Crime Organizado da Câmara desde maio de 2016. A demora impede que o país tenha voz ativa nos órgãos e espaços de deliberação sobre o funcionamento do TCA, como é o caso da Conferência dos Estados Partes, marcada para setembro em Genebra, na Suíça.

Para Korhonen, que estava acompanhado por Mélanie Régimbal, diretora do UNLIREC (Centro das Nações Unidas para a Paz, o Desarmamento e o Desenvolvimento na América Latina e o Caribe), o Tratado não só cria um ambiente mais justo para os negócios, colocando regras iguais para todos, como também diminui a disponibilidade de armas ilícitas – o que tem potencial de reduzir a violência armada nas ruas.

Veja a entrevista exclusiva concedida por Korhonen à Conectas por e-mail, poucas horas depois de deixar o país.

Conectas – Por que é importante para o Brasil ratificar rapidamente o TCA?

Klaus Korhonen – A ratificação daria ao Brasil o direito de participar no processo decisório que ocorre na Conferência dos Estados Partes do TCA. O Brasil teria a oportunidade de influenciar e contribuir com a direção que a cooperação ao redor e dentro do Tratado toma. O TCA é um tratado internacional recente e seu funcionamento está em estágio de formação. Esse é um bom momento para aderir se você quiser maximizar o seu impacto. Como Estado parte você também tem mais acesso às informações recebidas pelo Secretariado  [do TCA] sobre a implementação do Tratado por outros países. A ratificação mandaria uma mensagem forte sobre o Brasil como um ator responsável no mercado de armamentos e como membro da comunidade internacional. O Brasil já participa nessa cooperação como Estado signatário. Por que não aproveitar ao máximo?

Como você avalia a participação de países latino-americanos no TCA e que impacto uma ratificação por parte do Brasil poderia ter nesse cenário?

A maioria dos países da América Latina e do Caribe já ratificou o Tratado sobre o Comércio de Armas e participa ativamente dos órgãos e instância de decisão. Nós já temos 22 Estados partes da região. Além disso, cinco assinaram o Tratado mas ainda não o ratificaram, incluindo o Brasil. Outros cinco não são nem signatários, nem Estados partes. O Brasil participa ativamente nos assuntos regionais e globais. Em termos econômicos, populacionais e territoriais, é um dos maiores países do mundo. A adesão do Brasil  fortaleceria ainda mais a voz da América Latina e do Caribe na comunidade do TCA. Acredito que também serviria como um exemplo encorajador para aqueles países que ainda não se juntaram ao Tratado.

Quais são as consequências para o Brasil de não participar do Tratado?

A decisão de aderir ou não ao TCA é sempre uma decisão soberana de um Estado soberano. Nós respeitaremos essa escolha independente de qual seja. Nesse estágio eu descreveria um cenário do Brasil não ratificando o TCA como uma perda de oportunidade tanto para o país quanto para o Tratado, mas a porta sempre permanecerá aberta.

Como a não ratificação do TCA afeta a situação nos países que compram nossas armas e munições?

Autoridades com as quais nos encontramos durante a nossa visita enfatizaram que o Brasil é um ator responsável com um sistema nacional de controle de exportações funcional. Estou confiante de que isso não mudaria, mesmo que o Brasil escolhesse adiar sua adesão ao Tratado.

Críticos do TCA dizem que ele ameaçaria a indústria nacional. Esse argumento procede?

Cada país vai avaliar de maneira independente os impactos do TCA em sua realidade. Meu próprio país, a Finlândia, tem uma produção nacional de equipamentos de defesa e nossa indústria também está exportando alguns desses produtos. Tanto o governo finlandês quanto nossa indústria de defesa estão convencidos de que a participação integral no TCA atende nossos interesses nacionais.

Representantes da indústria de armamentos observaram que o TCA vai criar um espaço com condições equitativas para o comércio internacional de armas, em que todos seguirão as mesmas regras. Isso é benéfico para a indústria do ponto de vista econômico e de negócios.

A ratificação tornaria o Brasil mais inseguro?

Ao regular o comércio internacional de armas, o TCA contribui para um ambiente internacional mais seguro. O Tratado fará com que todos estejamos mais seguros. Agentes de segurança, incluindo aqui no Brasil, sinalizaram que, ao melhorar a regulação das transferências internacionais de armas, o TCA contribui para a segurança doméstica ao diminuir a disponibilidade de armas ilegais – o que significa menos violência armada em nossas ruas. Em relação à importante perspectiva da defesa nacional, deve-se mencionar que o respeito pelo direito à autodefesa é um dos princípios que estão claramente expressos no TCA.

Os mecanismos atualmente disponíveis no Brasil para monitorar nossas transações internacionais de armas são suficientes?

A legislação e a administração nacional nesse campo já estão bem desenvolvidas. Se o governo brasileiro sente que o país seria beneficiado pelo diálogo sobre possíveis avanços em seu sistema nacional, nós e nossos especialistas estamos prontos para isso. Também receberíamos positivamente uma contribuição do Brasil no sentido de trocar experiências e boas práticas com os membros da comunidade do TCA.

Depois de muitas reuniões com autoridades do Executivo e do Legislativo, como você avalia o interesse do Brasil em ratificar o TCA?

Eu fiquei confiante com nossas reuniões em Brasília, mas o processo de ratificação está inteiramente nas mãos das instituições brasileiras. Foi uma honra visitar o país e, para a nossa delegação, o diálogo aberto e amistoso foi muito útil.


Veja os comentários de Klaus Korhonen e Melanie Régimbal sobre a importância do TCA e de uma rápida ratificação pelo Brasil:

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