A primeira declaração de Yousseff Abou Chahin à frente da Polícia Civil paulista, defendendo o aumento do tempo de internação de crianças e adolescentes em conflito com a lei, foi duramente criticada por organizações de direitos humanos. Durante a cerimônia de posse nesta segunda-feira (5/1), na presença do novo secretário de Segurança Pública, Alexandre de Moraes, e do também recém-nomeado comandante da Polícia Militar, Ricardo Gambaroni, Chanin afirmou que menores “têm licença para matar”.
Mas segundo informações da Senasp (Secretaria Nacional de Segurança Pública), adolescentes de 16 a 18 anos são responsáveis por apenas 0,9% do total de crimes no Brasil. Considerando só os homicídios e tentativas de homicídio, o índice cai para 0,5%.
Para a Conectas, a posição de Chahin mostra uma tendência da nova cúpula de ampliar o período de permanência de menores infratores sob a tutela do Estado. Sinalizaria, também, uma opção pelas soluções penais em detrimento da ampliação das políticas públicas de bem estar social, sobretudo para os jovens pobres e negros das periferias – as maiores vítimas da violência.
Dados divulgados no mesmo dia (5/1) pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública mostram que, entre 2007 e 2012, o número de homicídios de jovens negros aumentou 21,3% (o de brancos caiu 5,5%). O levantamento aponta também que, dos quase 30 mil jovens assassinados em 2012, 76,5% eram negros.
“É um discurso perigoso, que deve provavelmente incitar a violência por parte dos policiais civis e militares contra adolescentes em conflito com a lei. É uma afronta ao ECA [Estatuto da Criança e do Adolescente”, diz Marcos Fuchs, diretor adjunto da Conectas. “Deixar um jovem mais tempo internado jamais vai reduzir a violência. Justificar que a violência é causada por jovens é outro absurdo. Começa com o pé esquerdo o novo delegado-geral de São Paulo”, completa.
Números recentes da Secretaria Geral da Presidência da República mostram que São Paulo, que abriga 36% de toda a população carcerária brasileira, é o quarto estado com a maior taxa de encarceramento de jovens – pessoas entre 18 e 29 anos – no sistema adulto (1044 por cada grupo de 100 mil habitantes). Ainda segundo a Secretaria, 38% dos presos paulistas estão nessa faixa etária e 75% das crianças e adolescentes cumprindo medidas socioeducativas estão internados em unidades da Fundação Casa.
Ouça abaixo a entrevista com Marcos Fuchs, diretor adjunto da Conectas, sobre as declarações no novo delegado-geral de São Paulo:
O que diz a lei
A Constituição de 1988 determina, em seu artigo 227, que “é dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária”. A Carta também estabelece que “são penalmente inimputáveis os menores de dezoito anos, sujeitos às normas da legislação especial”.
A inimputabilidade não significa impunidade. Atos infracionais cometidos por crianças e adolescentes estão previstos pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (1990), assim como as medidas aplicáveis a cada caso.
O estatuto está em conformidade com a Convenção Internacional Sobre Direito da Criança (1989), ratificada pelo Brasil também em 1990. Segundo seu artigo 37, os estados-parte devem zelar para que “nenhuma criança seja privada de sua liberdade de forma ilegal ou arbitrária”. Diz, ainda, que “a detenção, a reclusão ou a prisão de uma criança será efetuada em conformidade com a lei e apenas como último recurso, e durante o mais breve período de tempo que for apropriado”.
Leia aqui cinco argumentos da Conectas para refutar as propostas de redução da maioridade penal.