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07/09/2016

Paz na Colômbia

Em entrevista à Conectas, especialista esclarece os maiores desafios do recente acordo de paz entre governo e as FARC

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Com a confirmação do acordo de paz firmado entre o governo colombiano e as FARC (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia), anunciada no último dia 24/8, o país começa a reescrever sua história após 52 anos de guerra civil.

Depois de chegarem a um consenso sobre o conteúdo do texto oficial, que inclui reparação às vítimas, reforma agrária, fim do narcotráfico e participação da guerrilha em eleições, as partes concordaram em realizar um plebiscito no início de outubro para consultar a população sobre o documento.

Em meio a divergências políticas e sociais, o coordenador de pesquisa da organização colombiana DeJusticia (Centro de Estudios de Derecho, Justicia, y Sociedad), Nélson Camilo Sánchez, analisa os principais pontos da resolução que busca por fim à uma guerra que resultou em cerca de 250 mil mortos.

Em entrevista à Conectas, Sanchéz afirma que, diferentemente do que ocorreu no passado, o atual processo é “o primeiro em que a cidadania poderá dar a sua opinião a respeito do conteúdo dos acordos”.

Leia a entrevista completa:  


Conectas: Quais pontos você considera os mais importantes do acordo de paz? Quais os mais problemáticos?

Nelson Camilo Sánchez:

Nelson Camilo Sánchez, coordenador de pesquisa da ONG colombiana DeJusticia

O acordo de paz é extenso, multitemático e muito complexo. Em linhas gerais, acredito que ele tenha três grandes virtudes. A primeira é que faz um notável esforço para incluir diferentes tipos de questões, com a intenção real de acabar com o conflito armado. Algumas delas, por terem sido a causa da revolta armada, como é o caso da desigualdade territorial e das barreiras à participação política pluralista. Outras, porque foram o resultado do confronto, como o uso do narcotráfico como motor de financiamento da guerra e a violação de direitos humanos. Por fim, inclui questões que são necessárias resolver para se fazer a transição da guerra à paz, como são os processos de desarmamento, desmobilização e reintegração. A segunda grande virtude é que, como um acordo de ‘encerramento’, inclui não apenas compromissos e benefícios para os rebeldes que depuseram as armas, mas também ao Estado e às autoridades que cometeram graves violações aos direitos humanos durante os conflitos. Este é o primeiro acordo de paz na Colômbia que busca que todas as partes envolvidas façam parte do processo de prestação de contas. Em terceiro lugar, o acordo é consciente da obrigatoriedade do direito internacional dos direitos humanos, do direito penal internacional e, sobretudo, do papel que as vítimas devem exercer nesses processos. Mesmo que não seja perfeito, é um acordo que respeita o direito internacional e busca colocar as vítimas e seus direitos como um dos pontos centrais na implementação dos compromissos.

C: O que você pensa sobre o processo de consulta à população? Muito se falou do formato que assumiria (constituinte, referendo, etc.). Por que se decidiu por um plebiscito? Esse modelo está de acordo com a garantia dos direitos humanos e com a Constituição colombiana?

N.C.S: Este processo será também o primeiro em que a cidadania poderá dar a sua opinião a respeito do conteúdo dos acordos, diferentemente do que ocorreu, por exemplo, com os processos de paz das guerrilhas nos anos 80 e 90 e na desmobilização de grupos paramilitares há uma década. No país havia uma grande controvérsia a respeito do assunto, fundamentalmente por duas razões. A primeira é que algumas pessoas consideravam que o referendo seria uma violação ao direito fundamental à paz. No entanto, a Corte Constitucional declarou que seria possível realizar a votação, pois o que se pergunta não é sobre o conteúdo do direito à paz, mas se o povo concorda com o conteúdo específico deste acordo. A segunda era sobre como a consulta seria feita. Algumas pessoas sugeririam que o melhor seria fazer uma assembleia constituinte, pois com isso não só haveria um respaldo de legitimidade política, mas também se criaria um meio de realizar as reformas estabelecidas no acordo. Porém, algumas pessoas consideravam, e eu não concordo com elas, que a Constituição de 1991 é um triunfo democrático que deve ser preservado, e que os acordos podem ajustar a constituição, mas não necessariamente devem levar à sua eliminação. Por fim, as partes elegeram uma via intermediária. Diante de um plebiscito, o povo decidirá se concorda ou não com este processo de paz e com o seu acordo final. Logo, por meio de um procedimento especial perante o Congresso, o acordo se integrará na legislação colombiana.

C: O que pode acontecer se o “não” ganhar?

N.C.S: Juridicamente, não somos obrigados a voltarmos à guerra. Segundo a Corte Constitucional, a decisão de não aprovar o acordo não deve ser entendida como um mandato popular a favor da guerra, mas como uma obrigação de se renegociar a proposta. No entanto, politicamente seria muito difícil retomar às negociações. Este foi o melhor acordo possível durante mais de 5 anos de negociações. É extremamente difícil que as partes voltem a negociar nessas circunstancias e que alcancem respostas distintas às já apresentadas. Por isso seria altamente provável que as partes decidam voltar às suas posições estratégicas.

C: Quais são os principais desafios para a implementação do acordo, considerando a vitória do “sim”?


N.C.S:
Como o acordo é multitemático e muito compreensivo, os desafios são muitos. Alguns dos pontos requerem transformações institucionais sérias, que exigirão vontade política e recursos econômicos. Para alguns deles é necessário mudar a relação de poder nas regiões e enfrentar elites que hoje se beneficiam das distorções no funcionamento do Estado de direito. Entre outros desafios.C: Um dos componentes mais importantes do acordo de paz é a inclusão da questão agrária, não como apêndice, mas como um dos eixos centrais das negociações. Por quê isso foi necessário e que mudanças pode representar à garantia de direitos no ambiente rural colombiano?

N.C.S: Uma das bandeiras históricas da guerrilha tem sido o combate à desigualdade na posse e distribuição de terra no país e na enorme disparidade das condições entre a população rural e urbana. Assim, é possível afirmar que um dos pontos que de alguma forma foi central para o início da guerra foi o territorial. Essa situação se agravou com o conflito, uma vez que esse veio acompanhado de diferentes ondas de expropriação e deslocamento forçado. Por isso, a solução desses problemas é a base dos assuntos que devem ser resolvidos para que se forme uma paz duradoura e estável. O acordo faz isto por meio de diversas vias, mas principalmente três. Primeiro, a partir de um forte componente de implementação territorial, pelo qual se dará prioridade à população rural, sobretudo à mais isolada e excluída. Segundo, por uma política de desenvolvimento rural integral, que inclui um banco de terras que garantirá o acesso dos camponeses a elas, assim como de uma política de formalização dos terrenos dos camponeses. Terceiro, por meio da continuação e fortalecimento da justiça rural por juízes de restituição e por uma nova jurisdição agrária.

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