Para organizações que acompanharam a segunda Conferência dos Estados Partes do TCA (Tratado sobre o Comércio de Armas), o Brasil encerrou hoje (26/8) sua participação na reunião tal como começou: apático. O evento iniciado no dia 22 em Genebra, na Suíça, tinha como objetivo determinar os próximos passos para a efetiva implementação do acordo, que é o único a regular as transferências internacionais de armas e munições convencionais (categoria que inclui desde pistolas até tanques de guerra).
Diferente de outros signatários (o Brasil ainda não ratificou o TCA), a delegação brasileira se manifestou pouquíssimas vezes durante os painéis, muitas vezes destoando de países latino-americanos – e do próprio núcleo do tratado – por fazer ressalvas em relação à transparência nos acordos de compra e venda de armas.
Logo no primeiro dia do evento, o representante permanente do Brasil junto à Conferência do Desarmamento da ONU, Neil Benevides, afirmou que o TCA “deve respeitar as decisões nacionais soberanas e a existência de aspectos sensíveis relacionados a esse comércio específico”, em referência à apresentação obrigatória de relatórios anuais públicos, por parte dos países, com o detalhamento de suas transferências internacionais. A fala foi interpretada como uma hesitação do país em cumprir com as disposições do acordo.
Em outros momentos decisivos, o país deixou de se manifestar, como no debate sobre um parágrafo da declaração final da conferência que assegurava apoio latino-americano à resolução do Conselho de Direitos Humanos da ONU sobre o impacto do comércio de armas nos direitos humanos.
Para Jefferson Nascimento, assessor de Política Externa da Conectas, a posição brasileira reflete um descaso perigoso do país com o TCA e com o urgente controle do mercado internacional de armamentos e munições – no qual o Brasil é expoente, com o quarto maior volume de exportações de armas leves.
“O Brasil esteve em descompasso com outros países presentes na conferência, inclusive da América Latina. Aliás, delegações da região foram convidadas por organizações da sociedade civil para um diálogo sobre a reunião, mas nenhum dos seis integrantes da delegação oficial do Brasil apareceu nem deu resposta”, conta nascimento.
Durante esse diálogo paralelo, algumas delegações expressaram preocupação em relação ao processo de universalização do tratado, já que muitos consideram que problemas como o desvio de armas só serão solucionados quando os Estados fronteiriços também fizerem parte do acordo. A América Latina tem um dos mais altos índices de violência armada do mundo, causada principalmente por armas leves e pequenas – que são reguladas pelo TCA.
“Um país com uma fronteira tão extensa como a nossa não poderia perder a oportunidade de participar desse tipo de discussão e de ser efetivamente um líder na implementação do TCA”, afirma Nascimento. “É lamentável que, depois de ter sido um dos primeiros a assinar o tratado, reconhecendo sua importância histórica, o Brasil se converta em um ator absolutamente apático”, completa.
Desde de sua assinatura pelo governo brasileiro, em 2013, o TCA está em processo de análise e ratificação. Há quase dois anos se encontra no Legislativo, onde avança a passos lentos. Na terça-feira, a Comissão de Constituição e Justiça da Câmara aprovou o parecer favorável à ratificação do relator Bruno Covas (PSDB-SP). O texto aguarda análise na Comissão de Segurança Pública e Combate ao Crime Organizado antes de seguir para o plenário da Casa.
“O Brasil se esconde na demora no processo de ratificação, mas esquece que como signatário poderia ter um papel ativo e propositivo, como foi o caso de diversos países, inclusive dos Estados Unidos. Nada justifica a participação no mínimo desinteressada do Brasil na conferência”, explica Nascimento.
Antes da reunião, a Coalização pela Exportação Responsável de Armas, da qual Conectas faz parte, instou a delegação brasileira a se engajar nos debates sobre transparência dos relatórios, sobre a universalização e a efetiva implementação do tratado e, por fim, sobre o cesse imediato das transferências de armas para países sobre os quais pese fundado receio de violações de direitos humanos.