Organizações repudiam medida que suspende atendimento a pedido de acesso à informação
Em nota de repúdio, entidades apontam que a ação é desproporcional e que viola a Constituição
(Brasília - DF, 24/03/2020) Presidente Jair bolsonaro e ministros durante Videoconferência com Governadores do Sul.Foto: Marcos Corrêa/PR
Cerca de 70 organizações da sociedade civil assinaram uma nota de repúdio à Medida Provisória 928 publicada nesta segunda-feira (23), que traz dispositivos que interferem no pleno funcionamento da Lei de Acesso à Informação.
A MP, que apresenta medidas para o enfrentamento da emergência de saúde pública causada pela epidemia do Coronavírus, inclui o artigo 6º-B que, na prática, suspende o atendimento a pedidos de acesso à informação.
No texto, as entidades expressam preocupação com as alterações apresentadas pelo governo federal e elencam uma série de razões pelas quais consideram a proposta desproporcional e com potencial para violar o direito constitucional de acesso a informações de interesse coletivo.
Entre os argumentos, as instituições apontam que não foram explicados os motivos para a inclusão do artigo e criticam a linguagem vaga do texto e suas contradições, sendo sujeito a interpretações e omissões.
Também chamam a atenção para a exclusão da possibilidade de recurso, no caso da necessidade de questionamento diante de uma negativa a um pedido de informação.
Confira, abaixo, o texto na íntegra:
Nota conjunta de repúdio às alterações do acesso à informação pela MP nº 928
As organizações e os especialistas abaixo manifestam seu repúdio às alterações nos procedimentos de acesso à informação feitas pela Medida Provisória (MP) nº 928. O texto, publicado no último 23 de março de 2020, ataca gravemente os mecanismos de acesso à informação e de transparência pública. Pelos motivos apresentados abaixo, exigimos a revogação do trecho que inclui o artigo 6º-B na Lei nº 13.979, de 6 de fevereiro de 2020.
- Não há exposição de motivos para a inclusão do artigo. Esse item, que normalmente acompanha uma MP, é fundamental para a sociedade compreender a finalidade da medida e os critérios usados pela administração pública para adotá-la.
- O texto é vago, prejudicando o procedimento de acesso a informações. O art. 6º-B determina a priorização de respostas a pedidos relacionados às medidas de enfrentamento da pandemia, mas não especifica como isso ocorreria, se o prazo para resposta seria menor e quais os critérios para essa priorização. O texto não explicita se a priorização afeta apenas informações sobre saúde ou também alcança assuntos igualmente importantes que tangenciam o combate à Covid-19 (coronavírus) – como economia, geração de renda e condições de compras públicas em situação de emergência. Ao não apontar como seria a priorização dos pedidos, não deixa clara a necessidade de os solicitantes exporem os motivos pelos quais seu pedido se relaciona com a pandemia – o que contraria ao art. 10, § 3º, da própria Lei de Acesso à Informação (LAI).
- O texto é contraditório e abre brecha para omissões indevidas a pedidos de informação. O caput do novo artigo 6º-B da Lei nº 13.979/2020 indica que serão priorizados os pedidos relacionados com as medidas de enfrentamento da pandemia. Mas o inciso II do §1º suspende o prazo determinado pela LAI justamente quando a resposta ao pedido necessitar de envolvimento de agentes públicos ou setores dedicados às medidas de enfrentamento. Na prática, os prazos para o atendimento de pedidos relacionados com as ações de combate ao coronavírus estariam suspensos sob uma retórica de priorização. É de fundamental importância que o governo federal e, especialmente, o órgão coordenador da política de acesso à informação, a Controladoria Geral da União (CGU), garantam condições para que os servidores possam, em segurança, atender a tais demandas – sejam os que estão no combate direto, sejam os que estão executando as funções administrativas em teletrabalho.
- Exclui a possibilidade de recurso, impedindo que as pessoas questionem negativas a informações ou não atendimento a pedidos. Somada à falta de critérios claros de aplicabilidade da nova norma, o fato de a MP estabelecer que não serão sequer avaliados os recursos contra negativas ou omissões de informação, nas condições do artigo 6º-B, sepulta as chances de acesso a informações, pois possibilita constantes, injustificadas e impunes negativas do governo, contrariando a determinação da LAI, que garante a apresentação de recursos como um direito.
- Impõe a todas as pessoas a obrigação de buscar a transparência que deveria ser fornecida pelo poder público. Ao estabelecer que os pedidos não respondidos no prazo devem ser reiterados em até dez dias passada a calamidade, possibilita que todas as solicitações feitas no período sejam ignoradas, a menos que a pessoa se lembre de refazê-la, findo o decreto de emergência – quando a informação poderá deixar de ser útil e estar desatualizada.
- A MP foi construída e imposta sem transparência ou diálogo com a sociedade civil. A CGU conta com um Conselho de Transparência, cujo propósito é justamente discutir esse tipo de medida com a sociedade civil e garantir a participação social, mas nem o colegiado, nem outras instâncias de participação foram consultados.
- A medida vai na contramão das iniciativas de governo aberto que estão sendo adotadas por diversos países. As ações – disponíveis aqui – são incentivadas pela Open Government Partnership (OGP), parceria internacional de governo aberto da qual o Brasil faz parte. Com essa ação, o país também contraria o Objetivo de Desenvolvimento Sustentável (ODS) 16 presente na Agenda 2030 das Nações Unidas.
Pelos motivos expostos, a MP n° 928 é desproporcional e viola o direito constitucional de acesso a informações de interesse coletivo. Coloca a transparência e o controle social em um lugar secundário, justamente quando a população sofre com a desinformação em meio a uma crise sem precedentes. Isso prejudica o direito das pessoas de ter informação sobre as ações governamentais de enfrentamento à epidemia.
Em vez de estabelecer novos procedimentos que dificultam o acesso a informações, o governo federal deveria seguir o exemplo dos países que foram mais bem-sucedidos no combate à Covid-19 e ampliar a transparência, orientando estados e municípios a fazer o mesmo.
A divulgação ampla de dados, especialmente em formato aberto (como boletins epidemiológicos; testes administrados e disponíveis; metodologia da coleta de dados; contratos e informações sobre compras públicas e orçamento; status de ocupação dos leitos nos hospitais, principalmente nas UTIs etc.), pode eliminar uma eventual sobrecarga de pedidos de informação e a necessidade de ajustes em prazos e procedimentos.
Dessa forma, repudiamos o artigo 6º-B da Lei nº 13.979, de 6 de fevereiro de 2020, estabelecido pela MP n° 928 e defendemos enfaticamente sua revogação imediata. Além disso, esperamos medidas que visem ao aprimoramento da transparência ativa, bem como mecanismos e instrumentos necessários para que os servidores tenham plenas condições de cumprimento da lei sem comprometer sua segurança. Não se pode instituir um regime de operação paralelo à Lei de Acesso à Informação, tampouco retroceder nas conquistas sobre transparência alcançadas pela sociedade, especialmente em um momento de evidente crise.
Assinam a nota (em ordem alfabética):
- Ação Educativa – Assessoria Pesquisa e Informação
- Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo
- Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais e Intersexos – ABGLT
- Associação Contas Abertas
- Associação de Preservação do Meio Ambiente e da Vida – Apremavi
- ARTIGO 19
- Campanha Nacional pelo Direito à Educação
- Casa da Cultura Digital Porto Alegre
- Centro de Estudos Legislativos (CEL DCP – UFMG)
- Clínica de Direitos Humanos da Universidade Federal de Minas Gerais (Cdh/UFMG)
- Comitê Goiano de Direitos Humanos Dom Tomás Balduino
- Conectas Direitos Humanos
- Dado Capital
- Fiquem Sabendo
- Federação Brasileira de Associações de Bibliotecários – (FEBAB)
- Fórum das Ong Aids do estado de São Paulo – FOAESP
- Fórum Paraibano de Luta da Pessoa com Deficiência
- Frente Favela Brasil
- Fundação Avina
- Fundação Grupo Esquel Brasil
- Gestos – Soropositividade, Comunicação e Gênero
- Greenpeace Brasil
- Grupo de Trabalho da Sociedade Civil para a Agenda 2030 de Desenvolvimento Sustentável (GTSC – A2030)
- InPACTO
- Instituto Akatu
- Instituto Alana
- Instituto Bem Estar Brasil
- Instituto Beta: Internet & Democracia
- Instituto Brasileiro de Ciências Criminais – IBCCRIM
- Instituto Centro de Vida (ICV)
- Instituto Democracia e Sustentabilidade (IDS)
- Instituto Educadigital
- Instituto de Estudos Socioeconômicos (INESC)
- Instituto Ethos de Empresas e Responsabilidade Social
- Instituto de Governo Aberto (IGA)
- Instituto de Inclusão Cultural e Tecnológica – Tecnoarte
- Instituto de Manejo e Certificação Florestal e Agrícola – IMAFLORA
- Instituto Não Aceito Corrupção
- Instituto Nossa Ilhéus
- Instituto Observatório Político e Socioambiental (Instituto OPS)
- Instituto Oncoguia
- Instituto Socioambiental (ISA)
- Instituto Soma Brasil
- Instituto Sou da Paz
- Instituto Vladimir Herzog
- Intervozes – Coletivo Brasil de Comunicação Social
- Laboratório Analytics (Universidade Federal de Campina Grande)
- Laboratório de Inovação em Políticas Públicas do Rio de Janeiro
- Laboratório de Legislação & Políticas Públicas (LegisLab – UFMG)
- Laboratório de Políticas de Comunicação (Universidade de Brasília)
- Livre.jor
- Lobby Para Todos
- Missão Paz
- Observatório do Marajó
- Observatório Social de Belém
- Observatório Social de Brasília
- Observatório para a Qualidade da Lei (UFMG)
- Open Knowledge Brasil
- Operação Amazônia Nativa
- Plataforma MROSC
- Programa Cidades Sustentáveis
- Rede Nacional de Observatórios da Imprensa (RENOI)
- Rede Nossa São Paulo
- Repórter Brasil
- Transparência Brasil
- Transparência Partidária
- WWF-Brasil