O Comitê Contra Tortura da ONU admitiu denúncia da Defensoria Pública de São Paulo e Conectas contra o Brasil, por tortura e outras violações de direitos humanos cometidas por policiais penais do Grupo de Intervenção Rápida (GIR) contra pessoas presas na cidade de Presidente Prudente (SP).
Trata-se do primeiro caso brasileiro admitido pelo Comitê contra a Tortura (CAT, sigla em inglês), que supervisiona o cumprimento da Convenção Contra a Tortura e Outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes. Também é o primeiro caso da Defensoria Pública do Estado de São Paulo admitido por um órgão de supervisão dos tratados de proteção de direitos humanos ratificados sob os auspícios das Nações Unidas.
A denúncia, protocolada em julho de 2023, foi admitida pelo CAT em setembro deste ano, apenas três meses após o envio. O Brasil já foi notificado pelo órgão e tem prazo de seis meses para responder à denúncia internacional.
Ao admitir a denúncia, o CAT atendeu ao pedido de medida cautelar, determinando que o Brasil garanta, em caráter de urgência, o respeito à vida e à integridade física e psicológica das vítimas denunciantes enquanto durar o processo internacional, inclusive com a obrigação de fornecer informações sobre assistência médica e de protegê-las de quaisquer atos de represálias
Segundo a denúncia elaborada pelos Núcleos da Situação Carcerária (NESC) e de Cidadania e Direitos Humanos (NCDH) da Defensoria Pública e pela Conectas, em 2015, durante incursão do Grupo de Intervenção Rápida (GIR) no Anexo de Semiaberto de Presidente Prudente (SP), aproximadamente 240 pessoas presas sofreram revista geral sob violência física e psicológica e foram submetidas a verdadeiros atos de tortura ao longo de duas horas e meia. A despeito de não ter havido qualquer resistência ou embaraço à operação tática, 40 agentes do GIR entraram no local e, de forma violenta, desproporcional e absolutamente fora dos parâmetros constitucionais e legais, proferiram xingamentos e desferiram socos, chutes e golpes com cassetetes – inclusive mediante uso do “corredor polonês” –, bem como dispararam balas de borracha contra a população carcerária. Entre os feridos, incluíram-se um idoso e um cadeirante, cujas lesões localizavam-se nas regiões das COSTAS e NÁDEGAS, demonstrando que as vítimas não estavam em posição de ataque. Ao final, nenhum recluso foi acusado de cometer falta grave, já que, além dos agentes do GIR assumirem a ausência de quaisquer atos de desobediência ou oposição ao procedimento de revista, a incursão tática logrou encontrar apenas cachimbos artesanais, baralhos e uma moeda de 25 centavos.
A denúncia descreve o contexto sistemático de uso excessivo da força pelo GIR, com inúmeras agressões verbais e abusos de autoridade e utilizando-se de técnicas e equipamentos não letais de forma potencialmente letal, em desprezo às instruções de uso recomendadas pelos fabricantes dos armamentos de menor potencial ofensivo (sprays, granadas, munições de elastômero etc.).
Por fim, a denúncia demonstra o elevadíssimo grau de OMISSÃO dos órgãos judiciais e extrajudiciais de fiscalização e controle do sistema carcerário frente à situação de violação generalizada de direitos fundamentais no sistema prisional. Nenhum procedimento administrativo ou judicial foi capaz de assegurar o direito de acesso à justiça por parte das vítimas, constituindo-se como meras formalidades, destinadas apenas a legitimar os atos praticados.
Passados mais de oito anos de batalha judicial, os fatos ainda não foram investigados, os agentes não foram responsabilizados e as vítimas permanecem sem reparação ou expectativa de reparação. Todos os procedimentos administrativos e judiciais e todos os recursos processuais foram esgotados pela Defensoria Pública.
A denúncia contou com parecer do Núcleo de Estudos da Violência (NEV) da USP e com Relatório Multiprofissional e o Laudo Psicológico produzidos pelos/as agentes do Centro de Atendimento Multidisciplinar da Defensoria de São Paulo. Ainda, a empresa Villa estabeleceu parceria com a Defensoria de São Paulo para a elaboração de material de “visual law” para a denúncia.
Entre os pedidos de reparação formulados, destacam-se: 1) indenizar as vítimas pelas graves violações de direitos humanos sofridas; 2) investigar e punir os responsáveis pelas violações de direitos humanos; e 3) reformular sua política de segurança pública e respeitar os parâmetros de uso da força dentro das prisões.
Mais de oito anos após os fatos denunciados ao CAT e quase 31 anos após o Massacre do Carandiru, as graves violações de direitos humanos continuam ocorrendo sistematicamente, de forma crônica, dentro de um sistema carcerário cujo estado de coisas já foi reconhecido como ilegal e inconstitucional pela própria Suprema Corte Brasileira. Assim, espera-se que o Estado brasileiro seja finalmente responsabilizado pela forma como trata sua população carcerária.