Negócios feitos como de costume (“business as usual”). Essa foi a conclusão do Grupo de Trabalho de Empresas e Direitos Humanos da ONU (“GT”) sobre a atuação do Estado e das empresas brasileiras na proteção de direitos humanos e reparação das violações.
A crítica ao modo como o Governo e o setor empresarial brasileiro atuam com relação aos direitos humanos foi expressa em comunicado divulgado hoje, 16 de dezembro, ao final de uma missão de 10 dias por várias cidades ao redor do país. Conectas esteve presente nas reuniões com a sociedade civil em São Paulo, Belo Horizonte e Mariana. O GT passou ainda por Brasília, Rio de Janeiro, Belém e Altamira.
Segundo o Grupo, as empresas brasileiras ainda enxergam direitos humanos como parte do gerenciamento de riscos à própria companhia, e não como impactos que podem recair sobre outros titulares de direitos, como as comunidades que estão nos entornos dos projetos, consumidores, trabalhadores e a sociedade como um todo.
O GT ilustrou essa preocupação com o caso do rompimento da barragem da Samarco. Em reunião com os atingidos pelo desastre em Mariana, o GT criticou a ausência de um plano emergencial, a demora na prestação de informações sobre os riscos à vida e à saúde pela contaminação da água da bacia do Rio Doce e sobre os reassentamentos.
O Estado brasileiro, segundo o GT, estaria sendo omisso em orientar as empresas sobre as ações que elas devem realizar para estar aderentes aos Princípios Orientadores da ONU sobre Empresas e Direitos Humanos, bem como não tem sido capaz de criar um arcabouço jurídico e políticas públicas que garantam que as empresas sejam responsabilizadas por condutas contrárias aos direitos humanos.
No âmbito das medidas legislativas que trazem retrocessos socioambientais e em direitos humanos, o Grupo criticou abertamente projetos de lei como o de aceleração e flexibilização dos processos de licenciamento ambiental (PLS 456/2015), a tentativa de transferência da responsabilidade da demarcação de terras para o Congresso (PEC 215) e o projeto de lei de terceirização trabalhista (PL 4330/2004).
Sobre grandes projetos de infraestrutura e desenvolvimento, o GT criticou a imposição de medidas compensatórias sem diálogo prévio com as comunidades afetadas. Nesses casos, o GT notou que o governo, na prática, tem se limitado a conceder a licença para os grandes projetos, exercendo pouca supervisão e regulação sobre as empresas.
A missão incluiu visitas in loco a projetos com registro de graves violações de direitos humanos por empresas, como a Usina Hidrelétrica de Belo Monte, a vila olímpica no Rio de Janeiro e À cidade de Mariana, local do rompimento da barragem de resíduos da Samarco, empresa controlada pela Vale e pela anglo-australiana BHP Billiton. A visita aos locais das violações foi uma das principais demandas de vinte e uma entidades da sociedade civil em carta enviada ao GT antes de sua chegada ao Brasil.
O GT notou, ainda, que empresas públicas e aquelas em que o Estado detém participações não possuem práticas capazes de garantir o cumprimento dos compromissos assumidos em prol dos direitos humanos. Uma empresa pública em especial foi mencionada: o BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social). Para o GT, o BNDES deveria exigir mais claramente que os projetos financiados contenham mecanismos de prevenção de impactos adversos aos direitos humanos.
Em novembro de 2015, Conectas e outras organizações lançaram a obra “Política Socioambiental do BNDES: Presente e Futuro”, que traz diversas análises sobre a aplicação prática da Política Socioambiental (PRSA) do BNDES em projetos como Belo Monte e recomendações para seu aperfeiçoamento.
No 4º Fórum Anual de Empresas e Direitos Humanos, realizado no último mês de novembro na sede da ONU em Genebra, Conectas apresentou, em um painel sobre financiamento do desenvolvimento e direitos humanos, a necessidade de maior transparência acerca das informações que o BNDES produz quanto à a avaliação prévia de impactos socioambientais, com foco nos investimentos internacionais.
Sobre o GT da ONU sobre Empresas e Direitos Humanos
Criado em 2011 pelo Conselho de Direitos Humanos da ONU, o GT é composto por cinco especialistas independentes de várias regiões do mundo. Tem como principal objetivo a disseminação e implementação dos Princípios Orientadores sobre Empresas e Direitos Humanos (Princípios Orientadores), como também discutir boas práticas e dar apoio aos esforços de capacitação neste tema, dentre outras atividades. Para tanto o grupo dialoga com diversos atores, como membros do governo, da sociedade civil e das empresas e recolhe informações.
O GT pode realizar visitas a países para averiguar o cumprimento, por Estados e empresas, dos Princípios Orientadores da ONU sobre Empresas e Direitos Humanos, aprovados unanimemente pelo Conselho de Direitos Humanos em 2011. Antes do Brasil, o GT já havia realizado missões para os Estados Unidos, Gana, Azerbaijão e Mongólia. Em sua visita ao Brasil, o GT foi representado pelo russo Pavel Sulyandziga e pelo chileno Dante Pesce. Durante toda a visita eles estiveram acompanhados de dois representantes do secretariado do Grupo, Ulrik Hasten e Natasha Andrews.
Anualmente, o GT da ONU realiza o Fórum Anual sobre Empresas e Direitos Humanos, no Palácio das Nações, sede da ONU em Genebra. Em 2015, o evento reuniu mais de dois mil representantes de governos, empresas e entidades da sociedade civil. Conectas apresentou neste ano os resultados de uma pesquisa preliminar sobre remédios efetivos no setor financeiro privado brasileiro, com base nas políticas socioambientais dos 20 maiores bancos que operam no país.