O argentino Juan Mendez, relator da ONU contra a tortura, não tem dificuldades para conceituar a revista vexatória contra familiares de presos: fazer alguém tirar a roupa, agachar diversas vezes e abrir o ânus e a vagina para que sejam inspecionados constitui trato cruel, desumano e degradante – ou seja, contraria a Convenção contra a Tortura de 1984. Em abril, a Rede de Justiça Criminal, da qual Conectas faz parte, lançou uma campanha nacional para acabar com a revista vexatória nos presídios brasileiros.
O especialista, entrevistado pela Conectas durante a 25a sessão do Conselho de Direitos Humanos da ONU, em Genebra, afirmou que as necessidades de segurança devem ser limitadas pelo respeito à dignidade. Como exemplo de equilíbrio entre segurança e direitos humanos, citou a experiência do Uruguai, que optou por instalar detectores de metais na entrada das unidades. “O Estado tem a obrigação de utilizar alternativas menos invasivas.”
No Brasil, já há um projeto de lei proibindo o procedimento. O texto de autoria da senadora Ana Rita (PT-ES) está na pauta da CCJ (Comissão de Constituição e Justiça do Senado) e deve ser votado nas próximas semanas.
A proposta garante a integridade dos familiares e a continuidade dos laços afetivos que os presos mantêm no mundo externo – o que aumenta as chances de ressocialização. Segundo Mendez, hoje é comum encontrar internos pedindo que a família não faça mais visitas para preservá-la das humilhações. “Isso tem impacto direto sobre o direito fundamental dos presos”, afirmou.
Leia abaixo a entrevista completa.
1. Como a ONU vê a revista vexatória?
Como relator da ONU, vejo a revista vexatória como parte da proibição do trato cruel, desumano e degradante. Qualquer ação do Estado que humilhe uma pessoa é uma violação dessa proibição. O Comitê de Prevenção contra a Tortura e o Subcomitê de Prevenção contra a Tortura têm informação anedótica, mas muito persistente, sobre as humilhações que sofrem sobretudo as visitantes femininas nos estabelecimentos prisionais. Os próprios presos também passam por isso. É, portanto, um procedimento suficientemente generalizado para despertar nossa preocupação.
Ao mesmo tempo, os padrões aplicáveis – além desse mais genérico que mencionei no início – não são muito precisos. Estamos em um processo de revisão das Regras Mínimas para o Tratamento de Presos e me parece uma boa oportunidade para gerar uma discussão entre Estados e sociedade civil sobre como realizar as revistas. Obviamente reconhecemos que as autoridades dos presídios têm a obrigação de manter a ordem interna das unidades, portanto deve haver um equilíbrio entre essa necessidade e a dignidade dos reclusos e dos familiares que os visitam. Mas ainda não temos um padrão claro sobre como alcançar esse equilíbrio.
2. Você conheceu países que conseguiram alcançar esse equilíbrio entre segurança e respeito à dignidade humana?
Sim. No Uruguai, por exemplo, mostraram-me um detector de metais – um avanço, pelo menos, em relação às revistas manuais. Mas mesmo o detector de metais tem de ser bem analisado, já que os mais modernos requerem uma pessoa controlando a tela e observando a nudez através do raio-x. Mesmo isso deve estar rodeado de certas garantias de respeito à dignidade das pessoas.
Por enquanto, a jurisprudência existente afirma que, se há alternativas menos intrusivas e vexatórias, o Estado está obrigado a utilizá-las. Eles não podem dizer que não têm o dinheiro, ou que o detector existe mas não funciona. É sua obrigação fornecê-lo. Também reconheço, por outro lado, que o detector de metais ajuda até certo ponto, mas não identifica drogas que possam ser introduzidas clandestinamente em uma prisão. Haveria que estudar outras maneiras de manter esse equilíbrio entre segurança e ordem interna e os dois padrões que temos até o momento: primeiro, não se pode violar a dignidade das pessoas; segundo, o Estado tem a obrigação de utilizar alternativas menos intrusivas.
3. Qual o impacto da revista vexatória sobre os presos?
A revista vexatória tem um impacto direto sobre o direito fundamental dos presos à visita familiar. Sempre que fazemos inspeções, perguntamos sobre a frequência das visitas, sobre o local onde são realizadas, se filhos menores podem ir. Às vezes nos queixamos, por exemplo, porque elas acontecem na presença de guardas, sem confidencialidade, mas nunca preguntamos sobre o que acontece antes ou depois. Encontramos com pessoas que dizem “eu não quero que meus familiares venham”, ou com visitante que nos contam que sim, querem visitar o parente preso, mas o processo é sempre traumático. Eles enfrentam as longas filas, a espera, as viagens e ainda, depois, têm de passar pela revista humilhante. Infelizmente, a obrigatoriedade de que mulheres sejam revistadas apenas por agentes femininas não foi suficiente para acabar com o problema. O procedimento pode ser muito vexatório mesmo quando realizado por outras mulheres.