O Conselho de Direitos Humanos da ONU deu início hoje (09/09) à sua 24ª sessão no Palácio das Nações, em Genebra, Suíça. O encontro, que termina no dia 27 de setembro, será marcado por debates relacionados a graves situações de direitos humanos em países como Síria, Bahrein, Sudão e República Democrática do Congo. Também serão apresentados relatórios relativos a empresas extrativas e os direitos dos povos indígenas, abuso da detenção de imigrantes e os desafios impostos às comissões da verdade. Além de temas pontuais, como a renovação do mandato do Relator Especial para a Saúde e o início do período de inscrição para a eleição do Relator Especial para os Defensores de Direitos Humanos. Veja o programa de trabalho, a ordem do dia e acompanhe a sessão pela internet aqui.
Brasil
Em seu discurso durante o item 2 da agenda do Conselho, a delegação do Brasil pontuou, hoje pela manhã, as negociações entre Israel e Palestina e a situação dos direitos humanos no Egito, chamando para o diálogo e reconciliação. A ênfase do discurso, entretanto, recaiu na possibilidade de uma intervenção militar na Síria fora dos auspícios da ONU e a rejeição desta pelo governo brasileiro, bem como nas atuais denúncias de espionagem pelo governo dos Estados Unidos. A delegação brasileira destacou que essa prática, violadora do direito à privacidade e relacionada com o acesso à informação e a liberdade de expressão, atinge o coração do mandato do Conselho de Direitos Humanos, sinalizando para a necessidade de que medidas sejam tomadas dentro do Direito Internacional dos Direitos Humanos.
Síria
Dois relatórios sobre Síria serão apresentados nessa Sessão do Conselho, um proveniente da Comissão de Inquérito e outro do Relator Especial para As Pessoas Deslocadas Internamente. Ainda, é com grande preocupação sobre a situação no país que a Alta Comissária das Nações Unidas para os Direitos Humanos inicia seu discurso de abertura: “A comunidade internacional está atrasada, muito atrasada, para tomar medidas coletivas para deter a espiral descendente que assola a Síria. Este não é o momento para que os Estados poderosos continuem a discordar sobre o caminho a seguir, ou para os interesses geopolíticos substituírem a obrigação legal e moral de salvar vidas (…). Unidos, em conjunto com as Nações Unidas, devem encontrar uma maneira de trazer as partes em conflito à mesa de negociações e interromper o derramamento de sangue.”
Bahrein
Conectas e organizações de diferentes países têm acompanhado a situação dos direitos humanos no Bahrein desde fevereiro de 2011, quando protestos pacíficos por reformas políticas se iniciaram no país. Apesar de no mesmo ano ter sido instalada uma Comissão Independente de Inquérito no âmbito das Nações Unidas, que apurou graves evidências de violações de direitos humanos cometidas pelo governo, incluindo tortura e execuções extrajudiciais, os abusos continuaram. Cartas da sociedade civil, incluindo Conectas, incentivaram declarações conjuntas de países nas 20ª e 22ª Sessões do Conselho, nas quais mais de 40 países manifestaram preocupação com a situação em curso no Bahrein.
Entretanto, no final de 2013 a situação dos direitos humanos no Bahrein ainda é alvo de preocupações: o governo tem se valido de mecanismos legais para restringir manifestações e o direito de associação, com leis específicas para controlar as atividades de organizações da sociedade civil, além de estar reagindo de forma violenta contra aqueles que se opõe a essas medidas. Relatos de tortura e detenções arbitrárias ainda são comuns, inclusive contra defensores de direitos humanos.
Assim, as organizações da sociedade civil esperavam que na 24ª Sessão do Conselho de Direitos Humanos medidas mais concretas fossem tomadas pelos Estados. Organizações da sociedade civil, incluindo a Conectas, escreveram para os Estados solicitando a aprovação de uma resolução por país para o Bahrein. Entretanto, novamente os Estados optaram por uma declaração conjunta. Em carta, Conectas e outras organizações solicitaram que os países que não se somaram às declarações anteriores, como o Brasil, se somassem a essa nova iniciativa do governo da Suíça.
O resultado foi positivo e o Brasil, que havia optado anteriormente por manifestação individual, se juntou hoje pela manhã ao grupo de mais de 45 países em uma declaração conjunta, que, além de expressar grande preocupação com a situação no Bahrein, apresenta recomendações ao governo. Entre elas, a urgente implementação das recomendações da Comissão de Inquérito e a cooperação com os Procedimentos Especiais da ONU e com os órgãos de tratados.
Sudão
Nessa sessão do Conselho ocorrerá a apresentação e análise do relatório sobre a situação dos direitos humanos no Sudão e a renovação do mandato do Especialista Independente, que atualmente está no item 10 da agenda do Conselho (cooperação). Frente às continuadas violações dos direitos humanos e do direito humanitário no país, Conectas e organizações de diferentes países solicitaram por meio de uma declaração conjunta que os Estados considerem o estabelecimento de uma Relatoria Especial para o país, com a aprovação de uma resolução que condene as violações em curso, estabeleça uma investigação independente e inste ao Sudão que garanta acesso ao país às agências de ajuda humanitária, além da passagem desta para o item 4 da agenda (situações de direitos humanos que requerem a atenção do Conselho)
República Democrática do Congo
O Alto Comissariado apresentará relatório sobre a situação dos direitos humanos no Congo entre novembro de 2011 e maio de 2013. Apesar dos esforços em curso no país, o Alto Comissário nota que a situação dos direitos humanos se deteriorou significativamente desde o último relatório. Pontua o aumento das graves violações de direitos humanos e do direito internacional, que poderiam constituir crimes de guerra, atribuídos a vários grupos armados, incluindo o M23 (Movimento du 23 mars), grupos rebeldes e forças de segurança. O Alto Comissariado destaca a utilização generalizada e contínua de tortura e maus-tratos por parte das forças de segurança e grupos armados, além de prisões e detenções arbitrárias e ilegais. Entretanto, o alvo principal de preocupação é a onda de violência sexual no país por parte das forças em conflito. A maioria dos casos não foram investigados nem chegaram aos tribunais. Leia o relatório na íntegra.
Saúde
A segunda renovação do mandato do Relator Especial sobre o Direito de Todos ao Desfrute do mais Alto Nível Possível de Saúde Física e Mental ocorrerá nessa sessão do Conselho. A Relatoria foi criada por iniciativa do governo brasileiro e a renovação do mandato fica a cargo da delegação do país. Espera-se que, dessa vez, o procedimento seja meramente formal, sem alterações no texto da resolução. Na última renovação, o Grupo de Trabalho sobre Propriedade Intelectual (GTPI/REBRIP), do qual Conectas faz parte, participou de um amplo debate acerca da redação do mandato do Relator e sinalizou especial preocupação com a ainda ausente menção à questão da propriedade intelectual entre as atribuições do Relator.
Defensores de direitos humanos
Organizações da sociedade civil incluindo a Conectas apresentarão uma declaração conjunta por escrito em relação à eleição do novo Relator Especial para os Defensores de Direitos Humanos, que ocorrerá na 25ª Sessão do Conselho. Visto que o período de inscrições terá início em setembro e se encerrará em outubro, a declaração procura facilitar, em formato de check-list, a visualização dos critérios envolvidos na seleção do relator. Estão discriminados os critérios estabelecidos pelo Conselho de Direitos Humanos, acrescentados de alguns detalhes elaborados pelas organizações que assinaram a declaração. Por exemplo, requisitos mais precisos de experiência e formação profissional.
Empresas extrativas e os direitos dos povos indígenas
O Relator Especial para os direitos dos povos indígenas apresentará seu último relatório: Empresas extrativas e povos indígenas. No relatório, James Anaya aponta modelos alternativos de negócios e as leis internacionais que devem ser respeitadas para que ocorra a devida proteção aos direitos dos povos indígenas no caso de extração de recursos em seus territórios. Em destaque o respeito ao direito de consentimento, prévio, livre e informado, marcado por amplos processos de consulta. O Relator também chama o Brasil a responder solicitações de informações enviadas em 2012 em relação a duas denúncias de violações de direitos humanos perpetradas contra os índios Guaraní –Kaiowá no Mato Grosso do Sul. Leia aqui relatório e addendum completos.
Migrantes
O Relatório do Secretário-Geral sobre Administração da Justiça, será apresentado nessa sessão do Conselho, destacando, entre outros assuntos, preocupação com o elevado número de casos em que detenções ocorrem por longos períodos sem julgamento prévio. Atualmente, 10,75 milhões de pessoas estão detidas ao redor do mundo, das quais 3,2 milhões foram presas sem julgamento. Dentre esses casos, ganha especial relevância a situação dos migrantes, principalmente aqueles em situação irregular. Tais abusos são marcados pelas mais diversas justificativas, entre elas a segurança nacional. A condição de vulnerabilidade desses migrantes aumenta na medida em que possuem pouco acesso à informação e intérpretes, além de dificuldades de obter assistência legal ou de serviços consulares.
Comissões da Verdade
O Relator Especial para a Promoção da Verdade e Justiça apresentará nessa sessão do Conselho sua análise acerca das Comissões da Verdade ao redor do mundo, seus avanços e desafios. Para ele, os principais desafios estão relacionados à definição do mandato e meios de trabalho da Comissão, que muitas vezes podem sobrecarregar suas tarefas, e à implementação de suas recomendações, uma vez que com o término das mesmas essa função passa a ser de responsabilidade do governo. Com relação ao Brasil, o Relator notifica que uma nova solicitação de visita ao país foi feita e manifesta preocupação com a forma de seleção da Comissão da Verdade brasileira: direta, pela mesma autoridade que estabelece o mandato da comissão e sem um processo de consultas formais.