O relator da ONU contra a tortura, o argentino Juan Méndez, afirmou hoje durante a 31a sessão do Conselho de Direitos Humanos da ONU, em Genebra, que a impunidade em casos de tortura por agentes públicos no Brasil “continua sendo a regra, e não a exceção”, sobretudo quando têm como alvo presos e grupos minoritários. A fala marca a apresentação oficial de informe divulgado pela relatoria na semana passada sobre o estado do sistema carcerário brasileiro.
“A tortura e os maus-tratos por parte da polícia e dos agentes penitenciários segue sendo um fato alarmante e de ocorrência regular, principalmente contra pessoas que pertencem a minorias raciais, sexuais, de gênero e outros grupos minoritários”, afirmou o relator. “Insto o governo brasileiro a tomar medidas que ponham fim à brecha existente entre a legislação e as políticas ambiciosas do país, por um lado, e a situação cotidiana das pessoas privadas de liberdade ou em conflito com a lei, por outro.”
Assista a fala de Juan Méndez:
Rogerio Sottili, secretario especial de Direitos Humanos do Ministério das Mulheres, Igualdade Racial e dos Direitos Humanos, representou o Brasil na reunião. Ele saudou o relatório e afirmou que o trabalho conjunto entre organizações internacionais e Estados para avançar na garantia de direitos e reconheceu que “são diversos os campos em que ainda precisamos avançar”. “Nós evidentemente não vamos mudar uma cultura de violência de 500 anos de um momento a outro. Mas estou convencido de que começamos a transformar essa cultura de discriminação e violência em uma cultura de direitos”, afirmou.
Como exemplo de avanços, mencionou a criação do Sistema Nacional e Prevenção e Combate à Tortura e o projeto piloto do CNJ (Conselho Nacional de justiça) de audiências de custódia, que garantem a apresentação de presos em flagrante a um juiz em menos de 24 horas.
As conclusões de Méndez serão endossadas pela Conectas Direitos Humanos e pela ABGLT (Associação Brasileira de Gays, Lésbicas e Transgêneros). Em pronunciamento oral previsto para amanhã às 5h (horário de Brasília), as entidades vão reforçar a importância de revisar a atual lei de drogas, responsável pelo encarceramento de um quarto da população prisional brasileira, e pedirão compromisso do governo com o fim da revista vexatória e com a criação de mecanismos estaduais de prevenção e combate à tortura nos moldes do que já existe em âmbito federal.
As organizações também vão enfatizar a violência sofrida pela comunidade LGBT por parte da polícia e dos agentes penitenciários – outro ponto levantado pelo relatório de Méndez. As entidades demandarão, ainda, treinamento adequado da polícia e dos agentes penitenciários para lidar com a diversidade racial e de gênero e a aprovação do PL 7764/2014, que proíbe a revista vexatória em todo o país.
Leia aqui o pronunciamento que será feito pela Conectas e a ABGLT.
Assista o pronunciamento das organizações:
Os dados apresentados por Méndez foram colhidos durante uma visita de 12 dias em agosto de 2015. Foi a primeira missão da relatoria ao país em 15 anos. O especialista visitou quatro estados (Alagoas, Sergipe, São Paulo, Maranhão), além do Distrito Federal, motivado por denúncia levada por ONGs ao Conselho de Direitos Humanos em 2014 sobre a violência no complexo de Pedrinhas, no Maranhão.
Esse foi o único presídio a receber um tópico específico no relatório. Apesar de reconhecer uma queda significativa no número de mortes (entre fevereiro de 2013 e fevereiro de 2014 foram mais de 60), Méndez afirma que as condições de detenção continuam “explosivas”.
Na semana passada, Conectas, Justiça Global, SDHM (Sociedade Maranhense de Direitos Humanos) e OAB-MA publicaram um relatório inédito detalhando os problemas e abusos cometidos em Pedrinhas. O documento mostra que o Brasil tem falhado no cumprimento de medidas cautelares e provisórias expedidas pela Comissão e pela Corte Interamericana de Direitos Humanos da OEA (Organização dos Estados Americanos).
Hoje, mais de 600 mil pessoas estão presas no Brasil – uma população superior a de capitais estaduais como Cuiabá e Porto Velho. Entre os países com a maior população carcerária do mundo, o Brasil é o único a ver crescer sua taxa de encarceramento (número de presos por cada grupo de 100 mil habitantes), da ordem de 299,7. O déficit de vagas provocado por essa política supera 330 mil. Segundo dados de 2014 do Ministério da Justiça, 41% de toda a população prisional não foi julgada.