A ONG Conectas Direitos Humanos protocolou na Justiça Federal de Brasília (DF) uma ação em que cobra do BNDESPar – a subsidiária do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) responsável por administrar as participações acionárias em empresas detidas pelo banco – a publicação de um plano de redução de emissões de gases do efeito estufa que oriente seus investimentos segundo as metas do Acordo de Paris e da PNMC (Política Nacional sobre Mudanças do Clima). Esta é a primeira ação do tipo no mundo contra um banco de desenvolvimento.
Embora o BNDESPar siga uma Política Socioambiental de Atuação em Mercados de Capitais, que veta o apoio a empresas com histórico de crimes ambientais e de trabalho em condições análogas à escravidão, tal política não inclui critérios climáticos. A empresa também falha em informar as emissões de carbono vinculadas ao seu portfólio de investimento.
Na ação, a ONG pede que, em um prazo de 90 dias, o BNDESPar apresente um plano capaz de reduzir até 2030 as emissões de carbono dos setores atualmente financiados pela empresa, de acordo com compromissos internacionais assumidos pelo Brasil. Além de apresentar metas concretas, o plano deve ser elaborado em conjunto com a sociedade civil, órgãos públicos e acadêmicos, e deve prever compensações socioambientais sempre que as metas não forem alcançadas.
De acordo com Júlia Neiva, coordenadora do programa de Defesa dos Direitos Socioambientais da Conectas, a ação tem como objetivo promover um debate sobre a necessidade de as empresas públicas incluírem a crise climática como variável central em seus planos de investimento e, ao mesmo tempo, atuarem com transparência e segundo critérios de responsabilidade social e ambiental.
“O BNDESPar mantém participações acionárias expressivas nos setores de petróleo e gás, produção de carne, mineração e energia elétrica, e, até recentemente, mineração. Todos eles são setores com forte impacto social e ambiental e em emissões de gases do efeito estufa”, afirma Neiva. “O que queremos é que o portfólio de investimentos do banco se alinhe ao Acordo de Paris e que passe a contribuir com a redução das emissões segundo a Política Nacional de Mudanças Climáticas”, complementa.
Para Neiva, a mudança de postura de uma instituição como o BNDES e suas subsidiárias pode ser paradigmática no sentido de orientar o mercado à adoção de práticas sustentáveis, à transição energética e ao investimento em setores de baixas emissões.
“As grandes corporações, sobretudo as públicas, precisam assumir seu quinhão de responsabilidade na contenção das mudanças climáticas, uma realidade que já afeta a sociedade, e em maior proporção, as populações mais vulneráveis. Elas devem ainda se submeter a um alto padrão de transparência, compatível com a administração pública, ao direcionar investimentos com recursos do Tesouro Nacional a projetos de relevante interesse da coletividade, neste caso, a redução das emissões de gases de efeito estufa.”
A ação protocolada pela Conectas pede ainda a criação pelo BNDESPar de uma Sala de Situação Climática, para avaliar o cumprimento das metas estabelecidas no plano de redução de emissões de gases do efeito estufa, publicando os avanços ou retrocessos nos setores com investimentos do BNDESPar. Um dos pedidos da ação é que a Sala seja acessada por representantes da sociedade civil, de povos e comunidades tradicionais, Ministério Público, Defensoria Pública, acadêmicos e membros do Judiciário.
Um estudo realizado pelo Centro de Estudos Integrados sobre Meio Ambiente e Mudanças Climáticas (Centro Clima), da Coppe/UFRJ, mostra que pelo menos 65% dos ativos da BNDESPar estão alocados em empresas intensivas em emissões de gases do efeito estufa.
O cálculo foi feito a partir da análise de informes publicados pelas próprias companhias e tomou como referência uma amostra de 85% da carteira de investimentos da estatal que, até março de 2021, estava concentrado em dez empresas dos setores de petróleo e gás natural, energia elétrica, produção de carne, mineração, papel e celulose.
O parecer técnico da Coppe também revela que a BNDESPar é pouco transparente e não incluiu critérios e riscos climáticos em suas análises de investimento e desinvestimento.
De acordo com o estudo, a amostra analisada das dez empresas da carteira do banco representa entre 5% e 6% das emissões totais de gases do efeito estufa do país, segundo os inventários de carbono das próprias corporações. A estimativa, entretanto, pode estar subestimada, segundo os especialistas da Coppe, se for considerada a pegada de carbono ao longo de toda a cadeia produtiva, incluindo o impacto em desmatamento, as emissões de metano do rebanho bovino, o manejo de resíduos da produção e a queima de combustíveis fósseis, dentre outros fatores.
Pelo Acordo de Paris, o Brasil assumiu o compromisso de reduzir em 37% as emissões de gases do efeito estufa até 2025 e em 50% até 2030 em comparação com os níveis de 2005.
Em resposta à ação civil pública protocolada pela Conectas contra o BNDESPar, a entidade encaminhou uma nota, que publicamos na íntegra:
“As ações solicitadas já fazem parte do planejamento estratégico do BNDES e de suas subsidiárias, BNDESPar e Finame, e estão publicadas no site da instituição.
É possível acompanhar por meio do Painel NDC todas as contribuições desempenhadas pelo Banco para o alcance das metas brasileiras no Acordo de Paris (https://www.bndes.gov.br/wps/
É importante citar que o BNDES é signatário do CDP (Carbon Disclouse Project), instituição global que promove as melhores práticas para mitigação dos efeitos das mudanças climáticas.
O banco já iniciou a incorporação da análise de aspectos climáticos em suas operações, buscando avaliar o impacto dos riscos físicos e de transição em atividades de financiamento, como prevê a Resolução CMN 4.943 / 2021 .
É bom relembrar que a legislação não permite que regras atuais alterem contratos assinados anteriormente ao início de sua vigência. Cabe ressaltar que 93% da atual carteira de investidas da BNDESpar foi adquirida até 2016.
O Banco já declarou publicamente diversas vezes o seu plano de desinvestimento de empresas maduras, já tendo desinvestido totalmente da participações em empresas como Marfrig, Suzano e Vale, além de grandes percentuais de Petrobras e JBS, o que representa importante descarbonização da carteira. O objetivo deste desinvestimento é a reciclagem deste capital através da criação de fundos de investimentos, fundos de impacto e inclusive compra de credito de carbono. Todos estes investimentos já seguem as políticas atuais vigentes, com indicadores socioambientais e de governança.
Em relação à transparência, todas as operações, tanto de venda como de novos investimentos têm sido amplamente divulgadas pela imprensa, em informações a mercado e em chamadas públicas. A BNDESPar também publica todo os anos, o Relatório de Stewardship, documento de transparência reconhecido internacionalmente, onde é descrito a aplicação dos recursos e sua governança. Pode ser consultado no site https://web.bndes.gov.br/bib/
Cabe destacar que está em andamento um projeto visando calcular a pegada de carbono da carteira de renda variável do Sistema BNDES, bem como definir as estratégias de neutralização desta.”