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27/08/2020

“O único interesse em atacar a imprensa é evitar prestar contas à sociedade”, afirma presidente da Abraji

meaças e agressões verbais a profissionais da imprensa pelo presidente da república e seus filhos se tornaram comuns

21.06.16: Professor Marcelo Trasel participa de congresso de jornalismo investigativo. Foto: Luísa Zelmanowicz/Famecos/PUCRS 21.06.16: Professor Marcelo Trasel participa de congresso de jornalismo investigativo. Foto: Luísa Zelmanowicz/Famecos/PUCRS

No último domingo (23), o presidente Jair Bolsonaro ameaçou um repórter do jornal O Globo após ser questionado sobre depósitos feitos pelo ex-policial militar Fabrício Queiroz na conta da primeira-dama Michelle Bolsonaro. 

A caminho da Catedral de Brasília, o presidente afirmou que “a vontade é encher tua boca com porrada”. No dia seguinte, o chefe do Executivo republicou em sua conta no Twitter um vídeo usado por seus apoiadores para dizer que o repórter teria feito referência à sua filha. O conteúdo era falso.

O episódio não foi isolado. Ameaças e agressões verbais a profissionais da imprensa pelo presidente da república e seus filhos se tornaram comuns e, inclusive, levaram a alguns veículos tomarem a decisão de não manter repórteres nos cercadinho do Palácio da Alvorada, local onde o mandatário costuma fazer pronunciamentos e acenos a seus simpatizantes.

De acordo com a Fenaj (Federação Nacional dos Jornalistas), 58% dos ataques registrados contra jornalistas em 2019, primeiro ano do governo Bolsonaro, vieram do próprio presidente. 

A Conectas conversou com Marcelo Träsel, presidente da Abraji (Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo), para entender quais os efeitos e interesses de agressões a estes profissionais em uma democracia e como a entidade vem acompanhando os casos.

De acordo com o doutor em Comunicação Social e professor na Faculdade de Biblioteconomia e Comunicação da UFRS (Universidade Federal do Rio Grande do Sul),  os ataques a repórteres não é uma característica exclusiva de governos da direita conservadora. A extrema esquerda também usa de ofensivas a imprensa para evitar prestar contas à sociedade.

Confira entrevista:

Conectas – De acordo com relatório da Fenaj, 58% dos ataques à imprensa registrados em 2019 partiram do presidente Jair Bolsonaro. Como a Abraji observa e acompanha essa ofensiva contra estes profissionais?

Marcelo Träsel – A Abraji já vem há alguns anos acompanhando ameaças e agressões tanto físicas quanto verbais e virtuais, além de outros tipos de violação da liberdade de imprensa, antes mesmo de Bolsonaro sequer ser cogitado como presidente. 

Começamos a prestar mais atenção por volta de 2013, quando começaram os protestos e que se iniciaram com a questão do passe livre e acabaram evoluindo para questões mais amplas. Já nesta época, nos surpreendeu a agressividade de alguns grupos contra repórteres. Sempre existiu uma tensão entre movimentos sociais e jornalistas, por exemplo. Aqui no Rio Grande do Sul, os repórteres eram vistos com tensão por movimentos de esquerda, mas nunca neste nível de ter que esconder o crachá. Já em 2018, nos surpreendeu principalmente a agressão virtual. Notamos que este tipo de perseguição vinha quase sempre grupos mais alinhados à direita conservadora. 

Desde antes de Bolsonaro assumir como presidente percebemos que era um problema sério. Então, em 1º de janeiro já tínhamos centenas de casos registrados. Claro que com Bolsonaro este tipo de comportamento ganhou um megafone mais potente, já que ele tem usado seu lugar de fala,  privilegiado, e acaba legitimando e incentivando este tipo de comportamento para sua militância, grupos evangélicos, neopentecostais, anarcocapitalistas e outros grupos.

Conectas – Sobre este caso específico do repórter do Globo, o presidente faz uma ameaça de agressão física. Como você acha que isso pode servir de incentivo para apoiadores de sua ala mais radical a seguir sua referência e tornar prático uma violência como esta?

Marcelo Träsel -Certamente, acaba, no mínimo legitimando ações violentas. No fim das contas, o presidente é sempre um exemplo. Neste caso, vem sendo um mau exemplo. Quando faz uma ameaça verbal de agressão física isso sinaliza a seus apoiadores que é algo legítimo, aceitável. Numa democracia, ameaçar agredir um jornalista é grave, assim como se o presidente da república faz um discurso favorável ao garimpo ilegal ou à extração de madeira, acaba sinalizando aos madeireiros e garimpeiros que nada vai acontecer com eles, que a fiscalização não será levada a sério e isso passa a ser aceitável. O discurso sempre tem um grande impacto na sociedade.

Conectas – Quais são os interesses de quem ataca a imprensa dessa maneira?

Marcelo Träsel – Acredito que o único interesse que alguém possa ter é evitar prestar contas à sociedade. A velha estratégia de matar o mensageiro. Afinal quem está levando essas denúncias de supostos ilícitos não e a imprensa. A imprensa, de uma maneira geral, vem relatando investigações que são feitas pela polícia, pelo Ministério Público; divulga processo em trâmite no sistema judiciário. O jornalista está atuado em nome da sociedade e pedindo que o presidente se explique, afinal, como qualquer servidor público e, especialmente ele, que foi eleito com 50 milhões de votos, deve explicações sobre as suas atividade e sobre pessoas ligadas a ele. Isso é normal na democracia.

Conectas – Ao colocar a imprensa como inimiga do país, que efeito Bolsonaro causa na credibilidade de veículos e jornalistas perante a opinião pública?

Marcelo Träsel – Acho que não é um grande problema porque, francamente, pessoas convencidas por este discurso já acham que a imprensa não tem nenhuma credibilidade. São, via de regra, o tipo de pessoa que, hoje em dia, acabam se informando pelo whatsapp.

Claro que, até certo ponto, acaba sempre havendo alguém que nunca tinha parado para pensar a respeito e pode começar a achar que a Globo, por exemplo, manipula informações, esse tipo de coisa. Mas a verdade é que este discurso acaba oferecendo matéria-prima para se façam campanha de  difamação. É o caso do cercadinho do Palácio do Alvorada, pois o presidente falava qualquer bobagem, isso era filmado e seus apoiadores editavam este vídeo, de forma que parecesse que BoLsonaro estava humilhando determinado jornalista e reforça a ideia de que há uma conspiração da mídia contra o governo. 

Vale ressaltar que isso não é só um problema da direita conservadora. A esquerda também mantém esse discurso, afirmando que a CIA está controlando a mídia e coisa do tipo. Esse é um ponto, inclusive, em que a extrema esquerda  e a extrema direita acabam se encontrando. 

Conectas – Para um profissional da imprensa que recebe ataques frequentes seja de um Chefe de Estado, seja de seus apoiadores, quais são as melhores maneiras de se portar e de se proteger?

Marcelo Träsel – Vale a pena contar que Abraji tem guias de segurança para cobrir manifestações e sobre proteção em redes sociais, que em grande parte se aplica a esta situação do cercadinho do Palácio do Alvorada. 

Em primeiro lugar, deve-se registrar o ataque de alguma maneira para o caso de ocorrer processo e pedido de reparação na Justiça, caso o repórter sofra dano por este tipo de assédio. A abraji tem convênio com a OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), então, os jornalistas podem procurar a Abraji para estes casos e terão suporte e assessoria jurídica gratuita em fases iniciais de um eventual processo.

Outra questão importante é tentar manter a cabeça fria e, inclusive, se recomenda afastar-se das redes sociais, pedindo que algum amigo de confiança gerencie suas redes para que não fique em sofrimento psicológico. 

Também é importante que colegas de profissão demonstrem solidariedade e venham a público defender a vítima, principalmente a própria a empresa. Isto, eu digo sempre a gestores de empresas: “se nem a própria empresa confia no trabalho do repórter porque um ouvinte ou leitor deve confiar?”.

Acho que para um jornalista no Brasil, com salários que não são altos, é difícil buscar justiça individualmente e entrar com processos judiciais pagando as despesas do próprio bolso. É bom quando as empresas de comunicação acionem seu setor jurídico em nome do funcionário. A meu ver, tem um efeito pedagógico bastante grande quando uma destas pessoas que estão atrás do teclado, anônimos, recebem intimação da justiça para se apresentarem diante de um juiz e prestarem esclarecimentos de seus atos.

Conectas – Para além das ofensas e ameaças proferidos por autoridades públicas, temos as redes sociais como o principal meio de ampliação de discursos de ódio contra a imprensa. Como a sociedade deve agir diante deste cenário?

Marcelo Träsel – Antes de mais nada, jornalistas devem tomar cuidado em proteger suas próprias informações pessoais na internet. No caso da Patrícia Campos Mello, por exemplo, ela teve dados pessoais expostos que foram usados para ameaçá-la e para constrangê-la. 

Sobre a resposta da sociedade a este tipo de agressão, em primeiro lugar além do presidente da república existem dois outros poderes que devem atuar como moderadores e me parece que o Judiciário e o Legislativo  possa exercer esta moderação em defesa da liberdade de expressão e imprensa, como uma resposta contundente ao presidente quando ele tiver este tipo de comportamento. 

Também é fundamental que outros grupos e instituições saiam em defesa do jornalismo. Neste último ano e meio, a Abraj tem buscado se aliar a outras instituições, como a OAB, temos feito eventos com associações de juristas, que trabalham com direitos eleitorais, com a Artigo 19, e passamos a integrar a Rede Voices Del Sur, que reúne entidades de toda a América Latina.

A Abraji também procura se posicionar e fazer pressão diplomática sobre governos de outros países quando existem casos de violação. Na semana passada, assinamos uma nota contra uma medida do governo paraguaio que esta ameaçando com prisão dois jornalistas do jornal ABC Color, por conta de um denúncia contra uma ministra do governo. Não existe mágica na diplomacia, é algo que toma tempo e demora a dar resultados.

 

Conectas – Quais têm sidos as principais ações da Abraji para responder às ameaças e agressões contra jornalistas?

Marcelo Träsel – Estamos buscando entidades supranacionais, como a Comissão Interamericana de Direitos Humanos. Temos feito algumas denúncias de de situações que julgamos perniciosos para a liberdade de expressão e de imprensa 

Também temos procurado participar de ações no STF, como amicus curiae. Um dos caso que estamos participando é do Alex Silveira, fotojornalista que foi atingido no olho por uma bala de borracha disparada pela Polícia Militar de São Paulo enquanto cobria um protesto em 2000. A Abraji passou a ser amicus nesse processo e acreditamos que podemos ajudar a chamar a atenção sobre como os protestos são reprimidos, e sobre a falta de responsabilidade do Estado. 

Outro processo que a Abraji está atuando como amicus é um caso emblemático sobre liberdade de expressão que envolve a Festa do Peão de Boiadeiro de Barretos contra um grupo de defesa dos animais que promoveu uma campanha de boicote a este evento e, por conta disso, está sendo processada por danos morais. 

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