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08/05/2020

O que são as “prisões de lata” e por que devem ser banidas

Apontado como solução diante do impacto da Covid-19 nas prisões, Brasil possui histórico de tentar suprir o déficit de vagas com uso de contêineres



Está em análise pelo CNPCP (Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária) a possibilidade de utilizar contêineres para isolar presos suspeitos de Covid-19. Duramente criticada pela sociedade civil, a proposta tem um longo histórico no Brasil e costuma ressurgir como medida para suprir o déficit de vagas e escamotear as causas do encarceramento em massa.

Em 2010, funcionários da ONU, diplomatas e representantes de delegações e embaixadas presentes na 13ª sessão do Conselho de Direitos Humanos da ONU, realizada na sede do órgão, em Genebra (Suíça), ouviam perplexos a denúncia de organizações não-governamentais brasileiras sobre as graves violações no sistema penitenciário do Espírito Santo.

Além de maus-tratos, mortes e superlotação, a Pastoral da Criança, a Justiça Global e a Conectas chamavam a atenção para o confinamento de, ao menos, 500 homens em contêineres de ferro, onde a temperatura ambiente chegava a atingir 50 graus. 

As “celas” improvisadas eram chamadas pelos presos de “microondas”, já que, sem uso de força de expressão, cozinhavam as pessoas ali detidas. As Nações Unidas e a OEA (Organização dos Estados Americanos) consideraram a prática como “situação análoga à tortura” e um “atentado à vida humana”.

Logo após a denúncia, a 6ª turma do STJ (Superior Tribunal de Justiça), concedeu habeas corpus a um acusado que estava preso em uma destas estruturas no Centro de Detenção Provisória de Cariacica, no Espírito Santo, e substituiu sua prisão preventiva por prisão domiciliar.

Apesar da repercussão internacional e da decisão judicial paradigmática, o uso do “modelo” não ficou restrito ao estado capixaba ao longo dos anos. Em décadas de atuação dentro dos presídios brasileiros, a Pastoral Carcerária, ligada à CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil), já denunciou ao CNJ (Conselho Nacional de Justiça), ao Ministério da Justiça e à Corte Interamericana de Direitos Humanos a utilização de contêineres como cela em, ao menos, outros três estados do país: Mato Grosso, Pará e Paraná.

Em 2016, o então secretário de Segurança Pública do Rio Grande do Sul, Cezar Schirmer, anunciou o uso das estruturas metálicas para ampliar o número de vagas no sistema carcerário estadual. Em coletiva de imprensa, afirmou que a experiência de Santa Catarina havia sido “bem sucedida” e que as opiniões contrárias eram “visões preconceituosas”.

Uma decisão favorável ao desembolso de R$ 70 mil para a compra dos contêineres chegou a ser expedida pelo juiz Carlos Fernando Noschang, da vara de Execuções Criminais de Novo Hamburgo. Porém, atendendo a recurso da Defensoria Pública gaúcha, em 2019, a Justiça proibiu o uso e ordenou a realocação dos presos em casas prisionais.

No mesmo ano, no episódio que ficou conhecido como “Massacre de Altamira”, no Pará, dezenas de presos trancafiados em celas de contêineres morreram asfixiados com a fumaça causada pelo incêndio provocado por uma disputa de facções.

Prisões de lata no contexto da Covid-19

Em março deste ano, o Depen (Departamento Penitenciário Nacional) anunciou o uso de contêineres de ferro como alternativa às unidades prisionais para o enfrentamento da pandemia causada pelo novo Coronavírus.

De acordo com o órgão, o objetivo é isolar presos idosos ou sujeitos a complicações, como diabetes, hipertensão e asma, que façam parte do grupo de risco da Covid-19.

Para ser implementada pelos estados, a medida precisa ser votada e aprovada pelo CNPCP (Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária). 

A Conectas e diversas organizações fizeram nova denúncia internacional para evitar que o Departamento Penitenciário Nacional obtenha a autorização.

Os efeitos das prisões de lata

De acordo com relatório especial de saúde mental da ONU, “o confinamento solitário e a detenção prolongada ou indefinida, incluindo décadas de detenção em prisões ou outros ambientes fechados, influenciam negativamente a saúde mental e o bem-estar” da pessoa privada de liberdade.

Para além dos efeitos psicológicos, teme-se pela falta de oxigênio dentros das instalações e do já conhecido calor excessivo, como observado nos “microondas” do Espírito Santo.

Em março, o CNJ publicou uma recomendação direcionada aos Tribunais de Justiça pedindo revisão nas penas dos detentos mais vulneráveis à pandemia, como idosos, portadores de doenças crônicas, respiratórias e outras comorbidades. O mesmo deveria valer para casos de prisões preventivas – sem condenação definitiva – de crimes menos graves ou detentos do regime aberto e semiaberto.

“Ao invés de confinar presos em estruturas metálicas, o Ministério da Justiça deve acatar as recomendações do CNJ, que já apresentam soluções viáveis para este panorama, como a revisão de penas, e observar as próprias informações da Organização Mundial de Saúde que é enfática em afirmar que os esforços para controlar a Covid-19 devem ser os mesmos dentro e fora dos locais de detenção”, conclui Gabriel Sampaio, coordenador do programa Enfrentamento à Violência Institucional da Conectas.

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