Indígenas brincam no rio Solimões durante os Jogos Interculturais de Alvarães, no Amazonas, que destacam a defesa dos territórios e da cultura ancestral. Foto: Michael Dantas / AFP
A crise climática é, antes de tudo, uma crise de desigualdades. O conceito de “Justiça Climática” destaca que os impactos das mudanças no clima não são sentidos igualmente: comunidades negras, indígenas, periféricas, povos e comunidades tradicionais, pessoas com deficiência, mulheres e crianças estão entre as mais afetadas — embora sejam as que menos contribuíram para o problema.
Essa abordagem tem raízes nas décadas de 1960 e 1970, quando movimentos por justiça social começaram a dialogar com questões ambientais. Nos Estados Unidos, o movimento pelos direitos civis denunciava como comunidades afro-americanas sofriam mais com a poluição e a degradação ambiental, o que levou ao surgimento do conceito de Justiça Ambiental. Nos anos 1980, o ativista Benjamin Chavis Jr. cunhou o termo racismo ambiental, apontando como políticas ambientais injustas reforçam desigualdades raciais e socioeconômicas. A partir dessas bases, surgiu o conceito de Justiça Climática, que articula ação climática com justiça social.
No Brasil, onde convivem uma rica diversidade socioambiental e profundas desigualdades, a Justiça Climática é especialmente urgente. Comunidades tradicionais e povos indígenas, que desempenham papel central na proteção da natureza, enfrentam a destruição de seus territórios e ameaças a seus modos de vida por políticas que favorecem o desmatamento e atividades poluidoras.
Promover Justiça Climática é garantir que as respostas à crise climática estejam pautadas na equidade, nos direitos humanos e na dignidade, assegurando que nenhuma comunidade seja deixada para trás e que as soluções enfrentem as causas estruturais das desigualdades.
As negociações climáticas globais também são espaços estratégicos para avançar nessa agenda. A Conferência de Bonn, realizada anualmente como preparação para a COP da ONU, reúne representantes de governos e sociedade civil para debater os rumos da política climática internacional.
Neste ano, mais de 200 organizações da sociedade civil e de povos indígenas entregaram uma carta à ONU exigindo uma reforma urgente no processo de negociação climática. A Conectas, junto a outras entidades, também apresentou um documento com prioridades para a COP30, que será sediada em 2025 no Brasil, na região amazônica.
Para essas organizações, a COP30 representa uma oportunidade histórica de tornar as negociações mais justas, transparentes e resistentes à influência de setores poluentes. As principais demandas incluem: financiamento climático justo; adaptação baseada em direitos humanos; transição para uma economia de baixo carbono; e participação efetiva das populações mais impactadas.
Camila Mikie Nakaharada, assessora da Conectas, afirmou durante a Conferência de Bonn que o Brasil tem nas mãos uma responsabilidade crucial: “O mundo espera que o país fortaleça os fóruns multilaterais e lidere as transformações necessárias para avançar na implementação do Acordo de Paris com justiça para os mais afetados”. Ela também destacou que a chamada “COP da virada” deve começar com um compromisso real com os direitos humanos, maior inclusão de defensores socioambientais e reformas na governança climática. A divulgação do Host Country Agreement seria um passo importante nessa direção.
Durante a SB62 em Bonn, a Conectas co-organizou o evento paralelo “Meta Global de Adaptação – dados necessários sobre raça e gênero”. Com a presença de 150 pessoas, a atividade debateu a inclusão de marcadores sociais, como raça e gênero, na construção dos indicadores da Meta Global de Adaptação (Global Goal on Adaptation). O encontro reforçou a importância de dados desagregados para garantir políticas de adaptação eficazes e justas, além de evidenciar o papel estratégico dos eventos paralelos na pressão por participação e responsabilização nas negociações climáticas.
Além da Conectas, o evento foi co-organizado por Geledés – Instituto da Mulher Negra, Rede por Adaptação Antirracista, Instituto Internacional de Educação do Brasil (IEB), Instituto de Estudos da Religião (ISER), Instituto Decodifica, Rede Vozes Negras pelo Clima, CEERT e Fundação SOS Mata Atlântica.
A sociedade civil brasileira tem se destacado ao levar as vozes de comunidades locais para o centro das decisões climáticas. Organizações do país vêm insistindo que populações historicamente excluídas — negras, indígenas, periféricas — são também as mais impactadas e, portanto, devem estar no centro das soluções.
Esse protagonismo se traduz em ações articuladas para pressionar por reformas estruturais, ampliar a participação dos grupos mais afetados e denunciar a influência corporativa nas negociações. A COP30, que ocorrerá em Belém, será uma oportunidade crucial para o Brasil demonstrar seu compromisso com uma agenda climática justa e inclusiva — ouvindo e priorizando quem está na linha de frente da crise.