Natalie Unterstell, do Talanoa Institute. Foto: IISD/ENB
Na Semana do Meio Ambiente, a Conectas conversou com Natalie Unterstell, especialista em política climática, para discutir por que a adaptação climática é uma questão central para a justiça socioambiental e o futuro do Brasil.
Os efeitos da crise climática já são notáveis e sentidos de modo desproporcional pelas populações vulnerabilizadas. A necessidade de pensar em adaptação climática torna-se, assim, uma pauta fundamental de direitos humanos.
Unterstell preside o think tank Talanoa, uma organização de pesquisa e análise dedicada à política climática brasileira. Sua trajetória combina experiência prática e visão estratégica. Ela atuou como negociadora do Brasil em assuntos de mudança do clima na ONU e contribuiu para a construção de políticas públicas em diferentes esferas governamentais, incluindo a direção do programa Brasil 2040 — considerado o mais ambicioso programa de adaptação à mudança do clima já realizado no país.
A seguir, a especialista compartilha sua visão sobre o que é adaptação climática, quais grupos devem ser priorizados nas políticas públicas, o papel do Brasil nessa agenda global e como a sociedade civil pode contribuir efetivamente para construir um futuro mais resiliente e justo.
Natalie Unterstell: Adaptação é se preparar para os efeitos das mudanças do clima. É proteger as pessoas e os territórios de secas, enchentes, calor extremo e outros impactos que já estão acontecendo. Isso inclui, por exemplo, reforçar estruturas, mudar práticas agrícolas e garantir água e saúde para quem mais precisa. Sem adaptação, vamos perder vidas e nossa qualidade de vida.
NU: Devemos priorizar os mais diretamente afetados pelos impactos: povos indígenas, comunidades tradicionais, moradores de áreas vulneráveis e pequenos agricultores. Essas pessoas estão na linha de frente e, ao mesmo tempo, muito conhecimento sobre como lidar com a natureza. A adaptação só é justa se começar por elas.
NU: O Brasil pode ser líder global em adaptação, mas anda na lanterninha. Temos muitos estudos, programas locais e conhecimento sobre como enfrentar ou até conviver com extremos climáticos. O que falta é ambição, metas claras e direcionamento do dinheiro para tirar essas ações do papel. Precisamos de uma estratégia nacional forte e redirecionar os investimentos públicos e privados para a resiliência.
NU: A sociedade civil ajuda a levar a adaptação para onde ela precisa acontecer: no território. Fortalece comunidades, monitora políticas públicas, propõe soluções e cobra ação dos governos. É uma ponte entre o que a ciência recomenda e o que a população vive no dia a dia.
NU: A COP30, que será no Brasil, é uma chance única de colocar a adaptação como prioridade. Tanto porque é o assunto mais com decisões pendentes nesta COP e também o que pode unir mais países. Pra mim, há 3 tarefas de casa para o Brasil antes de Belém. Primeiro, é desenvolver os planos setoriais e alocar recursos financeiros (via Fundo Clima, por exemplo), para chegarmos à COP dando exemplo de implementação de políticas. Segundo, é colocar máxima atenção na articulação de todos os países para conseguir avançar nas negociações, completando a arquitetura da adaptação sob o Acordo de Paris. Para tanto, as negociações intersessionais em Bonn, na Alemanha, em junho, podem ser críticas. E, terceiro, mostrar que adaptação está lastreada por ações na economia real, mobilizando atores privados, instituições financeiras e a sociedade, por meio da chamada Agenda de Ação. Com esses 3 ingredientes, podemos sair de Belém com algo muito forte e impactante, para as pessoas e a natureza.