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02/03/2020

O que diz o CNDH sobre prisão de brigadistas

Após missão in loco, órgão aponta inconsistências nas investigações da Polícia Civil e baixa atuação do poder público na proteção de defensores de direitos humanos na região

Members of the CNDH meet during their mission to Alter do Chão, in the state of Pará, in December (Photo: CNDH) Members of the CNDH meet during their mission to Alter do Chão, in the state of Pará, in December (Photo: CNDH)

Em relatório divulgado no final de fevereiro, o CNDH (Conselho Nacional de Direitos Humanos) colocou em xeque as investigações tocadas pela Polícia Civil do Pará sobre o “Dia do Fogo” – como ficou conhecido o momento mais crítico das queimadas na Amazônia.

De acordo com a entidade, a apuração policial não apresenta evidências de crime, assumindo conclusões sem provas, e cita correlações que não se sustentam.

Além das inconsistências no processo investigativo, o Conselho revelou que o poder público local possui baixo poder de proteger e evitar abusos contra defensores e defensoras de direitos humanos. Para a entidade, por vezes, o órgão policial atua como fomentador de conflitos, inclusive quando se omite, permitindo maior militarização e acirramento de disputas, além de restringir espaços de diálogo.

O documento é fruto de uma missão in loco realizada por representantes do CNDH na cidade de Santarém, em dezembro de 2019. 

Na ocasião, Polícia Civil levou levou à prisão provisória quatro integrantes da Brigada de Incêndio Florestal de Alter do Chão após o inquérito apontá-los como responsáveis por dar início a incêndios na floresta amazônica local. 

A ONG Projeto Saúde e Alegria também foi alvo da operação, tendo equipamentos e documentos apreendidos.

Representantes do organização não-governamental, os quatro voluntários da Brigada de Incêndio de Alter do Chão, membros da Defensoria Pública e do Ministério Público do Estado, o prefeito de Santarém, o Juiz da 1ª Vara Criminal da cidade, o delegado de polícia e lideranças de movimentos sociais foram ouvidos pelos representantes do conselho. 

Problemas da investigação

O inquérito da Polícia Civil contra os brigadistas foi baseado em interceptações telefônicas realizadas sem que houvesse nenhuma evidência concreta de que haviam cometido crimes. 

De acordo com Camila Asano, coordenadora de projetos da Conectas, a forma como o inquérito foi realizado representa mais uma tentativa de criminalização da sociedade civil. 

“Desde a campanha eleitoral de Jair Bolsonaro, que ataca o ativismo de direitos humanos e ambiental, a situação de defensores e defensoras que atuam em regiões de conflito tem se agravado. A condução desse processo investigativo é um exemplo disso – não há evidências concretas de participação dos brigadistas nos incêndios. O que vemos aqui é mais uma tentativa de criminalização da sociedade civil”, enfatiza.

O contexto em Alter do Chão

No relatório, o CNDH ressalta que há um contexto geral de redução do espaço democrático no país, com perseguição a ativistas e organizações. E que, no caso de Alter do Chão, há diversos conflitos econômicos históricos, entre eles a grilagem de terras, a exploração da madeira, plantação de soja, mineração e pesca que aumentam ainda mais a tensão na região.  

Além da própria ausência do Estado, que leva líderes das comunidades tradicionais a assumirem o papel de fiscalizadores e protetores da sustentabilidade ambiental. Esse fato corrobora para o aumento de ameaças e conflitos entre essas comunidades e pessoas à mando de interesses econômicos.

As informações apuradas pela missão também apontam que há um estrangulamento do espaço de atuação da sociedade civil na região. Um cenário em que há pouco espaço para a participação social e um poder público com baixa capacidade de proteger e evitar que haja abusos contra defensores e ativistas, e que tem demonstrado pouco engajamento em garantir a proteção desses grupos, bem como seu efetivo direito de participação nas decisões públicas. 

Bachelet

Os apontamentos feitos pelo CNDH durante a missão foram corroborados pela Alta Comissária de Direitos Humanos da ONU, Michelle Bachelet, que incluiu o Brasil na lista de países onde há preocupações sobre direitos humanos. Durante sua fala na 43ª Sessão do Conselho de Direitos Humanos, em Genebra, Bachelet afirmou que esforços para deslegitimar trabalhos de movimentos sociais e ataques contra defensores dos direitos humanos são motivos de preocupação com o país. 

“No Brasil, ataques contra defensores dos direitos humanos, incluindo assassinatos  — muitos dos quais de líderes indígenas — estão ocorrendo em um contexto de retrocessos significativos em políticas de proteção do meio ambiente e dos direitos de pessoas indígenas. Há ainda um aumento da tomada de terras de afrodescendentes e indígenas, além de esforços para deslegitimar o trabalho da sociedade civil e de movimentos sociais”, declarou Bachelet.

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