Nas redes sociais, uma postagem que viralizou recentemente reflete a falta de importância da transparência para o presidente Bolsonaro. Na publicação, o jornalista Lucas Bernardino questiona por que o presidente impõe sigilo de cem anos a todos os assuntos espinhosos em que está envolvido. “Existe algo para esconder?”, pergunta. O próprio governante replicou a publicação: “Em cem anos você saberá”.
A resposta ironiza a imposição do segredo de cem anos pelo presidente sobre informações solicitadas por meio da Lei de Acesso à Informação, tais quais: seu cartão de vacinação; informações dos crachás de acesso ao Palácio do Planalto, emitidos em nome de Carlos e Eduardo Bolsonaro; o processo que apurou a presença do ex-ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, a um ato político, quando estava na ativa; e dados sobre a presença no Planalto dos pastores suspeitos de favorecer a liberação de verbas do Ministério da Educação – assunto que, atualmente, está no centro das atenções pelos indícios de possível interferência do presidente no curso das investigações realizadas pela Polícia Federal.
Adotada em 2011, a Lei de Acesso à Informação é considerada um marco importante para a agenda nacional do Governo Aberto, de acordo com a Revisão de Governo Aberto da OCDE (Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico), um documento elaborado a pedido do próprio governo brasileiro.
O levantamento, que analisou políticas e práticas adotadas durante a última década, define “Governo Aberto” como “uma cultura de governança que promove os princípios de transparência, integridade, controle e participação das partes interessadas em apoio à democracia e ao crescimento inclusivo”.
Formada por 38 Estados, a OCDE se propõe a auxiliar no desenvolvimento de seus países-membros, e busca reforçar a melhoria dos indicadores sociais. Na prática, a acessão plena do Brasil ao bloco poderia trazer vantagens econômicas e políticas significativas, incluindo melhor posição entre os doadores e maior acesso ao comércio e investimento estrangeiro direto.
O Brasil formalizou o pedido de entrada na organização em 2017. Em junho de 2022, a OCDE aprovou o plano para o processo de acessão do país — o que deve levar, pelo menos, dois anos para se concretizar. Mas para ser aceito como um membro pleno é preciso que o governo brasileiro demonstre capacidade para se alinhar às normas de boas práticas da organização, como a questão ambiental.
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Na Revisão de Governo Aberto, a entidade reconhece que, apesar de se concentrar na agenda do governo federal, as administrações estaduais e municipais, assim como os Poderes Legislativo e Judiciário, também contribuem para os avanços na área. Um exemplo é a criação do Conselho Cidadão de 2019, no qual moradores/as do município de Fortaleza selecionados por sorteio produziram recomendações sobre gestão de resíduos.
Apesar disso, segundo o documento, não há atualmente uma visão ou ação integrada para avançar em direção a um Estado aberto no Brasil. Para que essa integração ocorra, a OCDE aponta a necessidade de atenção a sete pontos principais:
De acordo com o documento, as organizações da sociedade civil desempenham um papel fundamental nesse objetivo. Elas atuam, por exemplo, “na melhoria das políticas, engajando-se em mecanismos participativos, e ajudando a aumentar a transparência e accountability [prestação de contas]”.
Entretanto, o documento apontou ser necessário melhorar políticas e serviços para o fortalecimento da democracia, destacando o impacto negativo da desinformação para o debate público. Além disso, indicou a existência de um ambiente desafiador na proteção de defensores/as, ambientalistas e jornalistas no país, as dificuldades de participação de determinados grupos na vida pública e retrocessos no exercício da liberdade de expressão.
É imprescindível, portanto, que seja assegurada à sociedade civil a proteção do direito de operar sem interferência, expandindo as oportunidades de financiamento público e adotando um regime legal simplificado, para que sejam cumpridas a legislação trabalhista, previdenciária e tributária, conforme destaca o levantamento.
“Desde a co-criação de políticas ambientais com os interessados até a promoção da transparência no setor da saúde, os países estão começando a reconhecer que as políticas de Governo Aberto têm o potencial de atuar como um catalisador para atingir objetivos políticos mais amplos, tais como desenvolvimento socioeconômico, coesão social, aumento da confiança e, em última instância, melhoria da democracia”, aponta o documento.
Para a OCDE, a criação de uma cultura na qual os cidadãos e as cidadãs compreendam o funcionamento dos órgãos governamentais, sendo capazes de colaborar ativamente, é fundamental para transformar a forma como governo e sociedade interagem.