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Notícia
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21/10/2025

O poder silencioso dos bancos públicos de desenvolvimento

Relatório brasileiro revela como bancos públicos de desenvolvimento ampliam desigualdades e impactos socioambientais.

Usina Hidrelétrica de Belo Monte, em Altamira (PA), em 13 de junho de 2025. (Carlos Fabal / AFP) Usina Hidrelétrica de Belo Monte, em Altamira (PA), em 13 de junho de 2025. (Carlos Fabal / AFP)


Os bancos públicos de desenvolvimento (BPDs), responsáveis por cerca de 10% dos investimentos anuais no mundo, têm contribuído para aprofundar desigualdades, endividar países e ampliar impactos socioambientais — é o que mostra a versão brasileira do relatório “Desmistificando o Financiamento do Desenvolvimento: como os Bancos Públicos de Desenvolvimento impactam os povos e o planeta”, lançada pela Conectas. 

O estudo reúne evidências de que essas instituições, criadas para financiar políticas públicas e promover o “desenvolvimento sustentável”, muitas vezes reforçam a concentração de poder econômico, fragilizam comunidades locais e apoiam projetos associados a violações de direitos humanos.

No Brasil, o primeiro banco do tipo, o BNDE, foi criado em 1952 e ganhou o “S” de Social apenas em 1982. Desde então, essas instituições se tornaram peças centrais das políticas de investimento do Estado — ainda que atuem, em grande parte, longe do escrutínio público.

Um sistema que se diz sustentável, mas nem sempre é

O documento, produzido coletivamente por membros e aliados da Coalizão pelos Direitos Humanos no Desenvolvimento, rede global de movimentos e organizações da sociedade civil, reúne evidências que colocam em xeque a narrativa oficial do “desenvolvimento sustentável”.

Embora os BPDs utilizem recursos públicos e se apresentem como agentes de combate à pobreza e às mudanças climáticas, o relatório mostra que, na prática, seus investimentos muitas vezes agravam desigualdades e impactos ambientais.

Entre as principais conclusões estão:

Desigualdade e exclusão. Projetos financiados por BPDs tendem a seguir uma lógica de “cima para baixo”, ignorando a participação das comunidades afetadas. A privatização de serviços essenciais, como saúde e água, é um efeito recorrente.

Endividamento e austeridade. Países que recorrem a empréstimos desses bancos enfrentam, com frequência, dívidas insustentáveis e políticas de austeridade impostas em nome da estabilidade fiscal.

Contradições ambientais. Salvaguardas sociais e ambientais existem, mas são insuficientes. Muitos projetos geram desmatamento, contaminação de rios e deslocamento de populações, sob o rótulo de “energia limpa”.

Apoio a regimes e empresas controversas. Há casos em que bancos financiam governos autoritários e corporações com histórico de violações de direitos humanos, silenciando comunidades e restringindo a participação social.

O caso brasileiro: desenvolvimento à custa de direitos

A versão brasileira do relatório detalha exemplos emblemáticos. Entre eles, os complexos eólicos da Chapada do Araripe, financiados pelo Novo Banco de Desenvolvimento (Banco dos BRICS) e pelo BNDES, onde comunidades quilombolas e rurais relatam desmatamento, perda de território e problemas de saúde.

Outro caso citado é o da Usina de Belo Monte, na Amazônia, símbolo das contradições entre o discurso de desenvolvimento e a realidade de violações socioambientais. Esses projetos ilustram o que o relatório chama de “falsas soluções” para a crise climática, iniciativas que, em vez de reduzir impactos, reproduzem um modelo extrativista e desigual.

O desafio de responsabilizar quem financia

Ao analisar os BPDs, a publicação argumenta que seus efeitos vão muito além dos megaprojetos visíveis. Eles incluem endividamento de países do Sul Global, enfraquecimento de políticas ambientais e erosão de direitos sociais.

Para as organizações envolvidas, a tarefa urgente é democratizar o debate sobre o financiamento do desenvolvimento, garantindo transparência, participação social e mecanismos de responsabilização. “Os bancos públicos de desenvolvimento moldam o futuro de países inteiros. Mas, se suas decisões não forem pautadas por direitos humanos, o custo recai sobre quem menos pode pagar”, resume o documento.


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