Desde sua criação, o NDB (Novo Banco de Desenvolvimento) dos Brics –bloco de países formado por Brasil, Rússia, China e África do Sul –buscou se diferenciar das “velhas instituições” financeiras, aportando recursos a projetos de infraestrutura alinhados a uma agenda de sustentabilidade.
A entidade entrou em funcionamento em 2015 e estruturou sua primeira carteira de empréstimos em meados de 2016, quando foram aprovados sete projetos com valor total de US$ 1,7 bilhão. Deste montante, US$ 300 milhões vieram para o Brasil e foram voltados ao financiamento de projetos de energia renovável, entre elas a eólica.
Conforme aponta nota do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento), US$ 67,3 milhões do montante enviado ao Brasil foram destinados ao Complexo Eólico Araripe III, tendo o BNDES como tomador do empréstimo.
“O problema é que, sem diretrizes claras para avaliação de riscos de impactos socioambientais e sem contar com mecanismos de participação social, seja no nível internacional, nacional ou local, o novo banco, supostamente moderno e arrojado, está sujeito justamente às velhas práticas das antigas instituições financeiras e pouco transparentes que sempre criticou”, explica Julia Neiva, coordenadora do programa Defesa dos Direitos Socioambientais da Conectas.
A especialista lembra que, para a sociedade civil, sempre preocupou o fato de as estratégias do banco e de suas políticas de transparência e socioambiental terem sido elaboradas sem qualquer consulta pública e sem fazer referências aos direitos humanos.
Segundo Alexandre Andrade Sampaio, coordenador do IAP (International Accountability Project), a falta de participação social se reflete nos relatos obtidos das comunidades do entorno do Complexo Eólico Araripe III. “O resultado das pesquisas comunitárias demonstra que nenhum comunitário havia sido consultado para falar de suas prioridades para seu próprio território. As pessoas também não sabiam como encontrar informações sobre o projeto ou como fazer uma queixa em caso de reclamação. Em tempos de extrema preocupação com o meio ambiente e as comunidades que historicamente o defendem, o banco dos Brics nasce velho e inadequado”.
Ainda de acordo com Sampaio, alguns dados simbolizam claramente que “velhas práticas são replicadas pela roupagem do NDB”: mais de 95% dos impactados pelo projeto não sabem sobre a origem do financiamento e mais de 85% acreditam que o meio ambiente poderá ser destruído e a grande maioria tem como certo que o projeto beneficia pessoas com maior poder político na região.
Em pesquisa recente, o Sistema de Alerta Prévio da IAP confirmou deficiências estruturais na prática do NDB.
“O banco não cumpre o mínimo das boas práticas e padrões internacionais que visam a garantir o devido acesso à informação e possibilidade de participação em relação a projetos que são alheios a prioridades realmente comunitárias, deixando a desejar mesmo quando comparado a práticas das antigas instituições pautadas pelo Norte global”, avalia Sampaio, coordenador da IAC.
“A falta de envolvimento de comunidades no processo decisório que deveria pautar prioridades para seu próprio futuro é o mínimo a se esperar de uma instituição que afirma buscar o real desenvolvimento, haja vista a declaração da ONU sobre o direito ao desenvolvimento”, complementa.
Não por acaso, aponta, o NBD já concedeu o selo ‘sustentável’ a diversos projetos ambientalmente questionáveis, sem explicar os critérios adotados. Um deles é a rodovia Transamazônica, uma estrada que recebe forte apoio do agronegócio e que é apontada por muitos ambientalistas como responsável por ampliar o desmatamento e a degradação na maior floresta tropical do mundo.
Levando em conta as diretrizes estabelecidas no Acordo Constitutivo que criou o NDB, a instituição procurou contar com a experiência de governos e de seus bancos de desenvolvimento para apoiar projetos supostamente de baixo risco de impactos sociais e ambientais. No caso do Brasil, o BNDES é o intermediador que toma os recursos do NDB e os empresta às empresas, assumindo os riscos de eventuais prejuízos.
No entanto, de acordo com Neiva, o BNDES é amplamente criticado e denunciado internacionalmente pela falta de responsabilidade socioambiental e pela falta de transparência. Segundo a especialista, o BNDES possui desde 2010 uma Política de Responsabilidade Social e Ambiental que busca promover o desenvolvimento sustentável, de forma pró-ativa e em todos os empreendimentos que apoia.
“Em teoria, esta política é atualizada a cada cinco anos por meio de consulta pública. Na prática, as consultas públicas têm sido protocolares e generalistas, sem responder às críticas recorrentes de comunidades impactadas por projetos financiados pelo banco”, afirma Neiva.
“Graças à pressão da sociedade civil, houve melhorias significativas nas políticas de transparência do BNDES nos últimos anos, mas a instituição continua sendo avessa a diálogos, especialmente no que diz respeito a direitos humanos e meio ambiente”, finaliza Neiva.