As pautas e as manifestações que tomaram as ruas em diversos países nos últimos anos tiveram, ao menos, um ponto em comum: a resposta repressiva por parte do Estado. “Ela se apresenta de forma mais ou menos violenta, dependendo de cada país, mas há uma tendência muito clara de militarização das forças do Estado para lidar com sua própria população”, diz o jornalista Bruno Torturra, do Estúdio Fluxo, moderador da primeira mesa do XIV Colóquio Internacional de Direitos Humanos.
Com o tema de “Protestos: atores, formatos e as respostas do Estado”, o painel reuniu o egípcio Karim Ennarah, pesquisador do EIPR (Egyptian Initiative for Personal Rights), Nurcan Kaya, que participou ativamente das manifestações do parque Gezi na Turquia, a defensora mexicana Maria Lucia Aguilar, do Centro de Derechos Humanos de la Montaña – Tlachinollan, e Jamil Dakwar, da ACLU (American Civil Liberties Union).
A mesa também contou com o relato de Gerardo Torres Perez, estudante da escola Rural Normal Raúl Isidro Burgos de Ayotzinapa. Em setembro de 2014, 43 colegas de Gerardo foram desaparecidos depois de um confronto com a polícia. O ativista americano Phillip Agnew, do movimento Black Lives Matter, participou do debate através de videoconferência. Os relatos deram concretude ao debate mais amplo sobre o estado dos protestos no mundo.
Para Dakwar, apesar das demandas serem diversas, há um problema principal comum por trás de todas as narrativas que tomaram as ruas nos últimos anos: a injustiça econômica. “O sistema trabalha contra as pessoas”, afirma. Em agosto de 2014, a cidade Ferguson, nos Estados Unidos, foi palco de protestos que pediam o indiciamento do policial Darren Wilson pelo assassinato do jovem negro Michael Brown. Neste ano, Freddie Gray, jovem negro de 25 anos, morreu sete dias depois de sua detenção. Para Agnew, as manifestações não são apenas consequências de episódios específicos de violência policial, “mas de anos de desemprego, de falta oportunidades.” “Nas ruas, os policias estão autorizados a atuar acima da lei – e não tem havido responsabilização por isso”, conta Agnew.
A falta de responsabilização por abusos é outra constante dos Estados Unidos à Turquia. Apesar de os protestos terem levado cerca de 3,5 milhões de pessoas às ruas em defesa do Parque Gezi, em Istambul, e ocupado 79 das 81 províncias do país, Nurcan Kaya afirma que muitos policiais envolvidos em abusos sequer foram identificados. No caso turco, a falta de investigações sobre as ações policiais é inversamente proporcional à criminalização dos movimentos e manifestantes. Durante os protestos, 4,9 mil pessoas foram oficialmente detidas, 88 usuários de redes sociais como Facebook e Twitter foram investigados e 8 mil pessoas ficaram feridas. Ao todo, 11 perderam seus olhos e 104 tiveram traumas na cabeça. “O governo ainda está com muito medo de nós”, diz Kaya.
Diretor do programa de Direitos Humanos da ACLU, Dakwar também cita a falha no registro de dados como um grave problema na investigação de abusos. “Não temos coleta de dados. Os números que você vê na mídia são um chute. As investigações são muito limitadas em nível estadual e ainda mais em nível federal.”
A falta de compromisso do Estado com as investigações é um fato no caso mexicano. No país, que tem cerca de 26 mil desaparecidos, apenas 7% dos crimes são investigados. “43 de nossos companheiros estão desaparecidos pelo Estado e até agora não há nenhum culpado”, diz Geraldo Torres, que relatou o ataque contra seus colegas na noite de 26 de setembro. “A política de segurança no México se baseia na militarização, não na inteligência. Não há estratégia”, afirma Maria Lucia Aguillar.
“Todos os governos tendem a ver manifestações com temor e como momentos de distúrbios”, explica Ennarah. Ele tem, como base, centenas de relatos compilados no relatório Take Back the Streets, publicado pela INCLO. Entre eles está a repressão, por parte de policiais americanos, de protesto em Porto Rico. “Jogavam bombas de gás lacrimogêneo a partir de helicópteros”, conta. Outro exemplo de como as armas menos letais podem se tornar letais aconteceu no Egito: “as forças de segurança dispararam gás contra os manifestantes por seis dias ininterruptos.”
Segundo Torturra, a superação dessa forma equivocada de lidar com o protesto social passa pela revisão da ideia de participação social e pelo entendimento das pautas legítimas que emergem nas ruas. “A democracia do século XX não está dando conta das demandas do século XXI. As pautas desses movimentos, ao contrário do que a mídia ou os governos afirmam, não são difusas. São diversas. Não são os movimentos que não sabem o que querem, mas a mídia e o Estado que não conseguem dar uma resposta adequada ao que esses movimentos demandam.”
Esse texto foi produzido por Milena Buarque e faz parte da cobertura colaborativa do XIV Colóquio.