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16/11/2016

O desafio de conversar com a realidade

Terminou nesta quarta-feira, em Genebra, a quinta edição do Fórum Anual de Empresas e Direitos Humanos da ONU. Confira o relato da Conectas sobre os principais assuntos em pauta e nossa contribuição para o debate.



Por Caio Borges e Paulo Lugon*

Brexit no Reino Unido, Trump nos EUA, impeachment no Brasil, “não” ao processo de paz na Colômbia. Se em todos esses lugares o ano de 2016 foi marcado pela imprevisibilidade, existe um lugar, às margens de um lago, em que as coisas dificilmente saem do roteiro: o Palácio das Nações, em Genebra. Aqui, na sede do CDH (Conselho de Direitos Humanos) da ONU, terminou hoje a quinta edição do Fórum Anual de Empresas e Direitos Humanos, maior evento do mundo que reúne mais de 2 mil representantes de governos, empresas e sociedade civil.

O Fórum de 2016 marca os cinco anos da aprovação unânime dos Princípios Orientadores sobre Empresas e Direitos Humanos pelo CDH, um conjunto de princípios e diretrizes que visam esclarecer os papeis e responsabilidades de Estados e empresas pelos direitos humanos. Segundo o ex-Representante Especial do Secretário-Geral para o tema, o professor de Harvard John Ruggie, os Princípios Orientadores combinam uma interpretação do corpo de normas que compõem o direito internacional dos direitos humanos com orientações práticas para que empresas incorporem o respeito aos direitos humanos às suas políticas e processos.

Mas as comemorações do primeiro quinquênio dos Princípios Orientadores foi uma de ânimos contidos. Na cidade que se proclama como o “centro da governança global”, paira um ar de incerteza generalizada sobre os rumos da globalização, da qual a ONU é um dos seus máximos expoentes (ou vítima dela?). Além disso, esse último ano testemunhou gravíssimas violações de direitos humanos por empresas.

Há pouco mais de dez dias o desastre do rompimento da barragem de Fundão, em Mariana (MG), completou um ano. Ela era de propriedade da Samarco, joint venture entre Vale e BHP Billiton. Para chamar a atenção da comunidade global à tragédia, criamos, junto com o MAB (Movimento dos Atingidos por Barragens), um material impresso para ser distribuído durante o Fórum. Uma suspeita que tínhamos se confirmou: muitas pessoas ainda sequer haviam ouvido falar sobre o desastre. Outras lamentavam a rapidez com que o assunto se esvaiu das notícias mundo afora.

Em 2016 também ocorreu o chocante assassinato de Beta Cárceres, ativista que lutava em prol dos direitos de sua comunidade, ameaçados pela construção de uma hidrelétrica em Honduras. O caso de Beta, embora emblemático pelos desdobramentos – um banco holandês chegou a suspender o financiamento ao projeto – é apenas a ponta do iceberg de um cenário desolador. Segundo a ONG inglesa Global Witness, em 2015 foram assassinados mais defensores de direitos humanos que em qualquer outro ano, e o Brasil infelizmente lidera o topo da lista.

O aniversário da maior tragédia socioambiental do Brasil e o recorde de violência contra defensores de direitos humanos e ambientais põem uma sombra sobre a agenda de empresas e direitos humanos. Seriam eles sinais de uma falência da ideia de responsabilidade social corporativa?

A Conectas esteve presente em todas as cinco edições do Fórum. Já trouxemos discussões sobre acesso a reparação judicial, as obrigações de direitos humanos de bancos públicos e privados e o papel dos órgãos de direitos humanos da ONU em implementar efetivamente os Princípios Orientadores.

Neste ano, participamos da sessão sobre acordos de investimentos e direitos humanos, que estudou os casos do Brasil e Índia. Em diálogo direto com um representante do Ministério da Fazenda, buscamos demonstrar que, embora o Acordo de Cooperação e Facilitação de Investimentos criado pelo Brasil represente um modelo mais equilibrado entre direitos e deveres de investidores, ele poderia ter contribuído mais significativamente para uma reforma do atual marco legal internacional de proteção e promoção de investimentos.

Embora o número de participantes se mantenha mais ou menos constante, o Fórum sofre de um certo esvaziamento, principalmente por parte de ONGs, mas também de vários governos. É que outro processo importante também está ocorrendo na ONU. Trata-se da negociação de um instrumento vinculante para regular a conduta das empresas em relação aos direitos humanos. Em outubro ocorreu a segunda reunião desse Grupo. A aprovação da resolução do Conselho que autorizou a abertura do processo, em 2014, foi talvez um desses poucos momentos em que os ventos de Genebra sopraram em direções diferentes. ONGs de todo o mundo estavam presentes para apoiar a resolução em um movimento bastante articulado.

Um aspecto a ser elogiado foi a tentativa dos organizadores de dinamizar o formato das sessões. Qualquer iniciativa que refresque o ambiente burocrático e tradicional do Palácio das Nações é bem-vinda. Um bom exemplo foi a sessão sobre situações em que uma empresa decide terminar a relação comercial com parceiros que violam direitos ao longo da cadeia de produção, com uma moderação ativa e divisão em grupos de trabalho trabalhando em questões específicas. Outra sessão sobre a situação dos defensores que trabalham com indústrias extrativas na América Latina trouxe um exercício baseado em um caso hipotético, em que a plateia e os panelistas puderam indicar possíveis ações que tomariam no mundo real.

E apesar do Fórum ter começado a explorar novos temas relevantes, como corrupção e direitos humanos, ainda assim o teor das discussões seguiu o mesmo padrão das edições anteriores: um tom formal demais e ligado à realidade de menos.

Em uma das entrevistas para o posto mais alto das Nações Unidas, o de Secretário(a)-Geral, a ministra das relações exteriores da Argentina, Susana Malcorra, disse que a ONU existe para fazer evolução, e não revolução.

Mas agora que já se passaram cinco anos da aprovação dos Princípios Orientadores, talvez seja hora de rever a abordagem incrementalista que domina a agenda de empresas e direitos humanos. Quem sofre as violações tem pressa. Como afirmou Laura Cárceres, filha de Berta, na plenária de encerramento, quantas mais mortes de defensores de direitos humanos e quantos ataques ao nosso meio ambiente teremos que ver até que governos e empresas levem a sério suas obrigações pelos direitos humanos?

*Caio Borges, advogado do Projeto de Empresas e Direitos Humanos

Paulo Lugon, representante da Conectas em Genebra.

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