As organizações da sociedade civil e entidades de classe que integram o Comitê Nacional de Prevenção e Combate à Tortura (CNPCT) vem a público repudiar a retirada da política de ações afirmativas no Edital de Seleção nº 002, de 21 de Novembro de 2017, referente ao 4º Processo de Seleção de Peritos do Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura (MNPCT).
O Plenário do CNPCT é o órgão responsável legal pela escolha dos 11 membros (as) do Mecanismo, conforme dispõem a Lei 12.847/2013 e o Regimento Interno do CNPCT.
Em sua 16ª Reunião Ordinária, realizada no dia 24 de outubro de 2017, o Plenário aprovou o citado Edital, incluindo no art. 4.3, a previsão de ações afirmativas, utilizando, por analogia, as disposições da Lei 12.099/2013, que dispõe sobre a previsão de 20% das vagas abertas para pessoas negras, escolhidas por critério de autoafirmação, sobre supervisão da comissão de seleção, instituída pela Resolução Nº 8, de 21 de novembro de 2017, deste Comitê.
Ocorre que no dia 20 de novembro, Dia da Consciência Negra, os presentes subscritores foram surpreendidos com e-mail do órgão de auxílio do Comitê, subordinado diretamente à Ministra de Direitos Humanos, Sra. Luislinda Valois, afirmando que publicaria o edital suprimindo o trecho acordado em reunião plenária relativo às cotas raciais. O órgão de auxílio do Comitê fundamentou tal medida em parecer da consultoria jurídica daquele Ministério, o qual sustenta a não aplicação obrigatória da Lei 12.099/2013, mas reconhece, contudo, a soberania do Comitê para a formulação do processo seletivo e recomenda a reformulação do edital no sentido de prever, expressamente, a reserva de vagas para negros/as, incluindo, ainda, a possibilidade de cotas para pessoas com deficiência, nos seguintes termos:
“Em face disso, compreendemos que as ações afirmativas, estas estando em consonância com as atribuições do Ministério dos Direitos Humanos, são exemplos nítidos de correção no plano prático do princípio da igualdade perante a lei (formal), sendo a premissa da quebra de isonomia não é suficiente para fazer com que a igualdade material e de oportunidades exista em padrões aceitáveis.
Com isso, se for do interesse discricionário do administrador prever as cotas de reserva para negros e pessoas com deficiência não se ensejaria óbice legal, porém, de forma alguma pode ser embasado na Lei nº 12.990/2014, e sim no princípio da vinculação ao instrumento convocatório, por analogia a supracitada norma. Diante o exposto, recomenda-se a reformulação do Edital para prever tal reserva (negros e pessoas com deficiência).”
A criação do Sistema Nacional de Prevenção e Combate à Tortura foi uma conquista árdua da sociedade civil brasileira, incluindo a atuação combativa dos atuais membros do Comitê. Tal Sistema surge como obrigação internacional do país após a ratificação do 3º Protocolo Facultativo da Convenção Contra a Tortura e Outros Tratamentos Cruéis ou Degradantes das Nações Unidas, especificamente pertinente ao Brasil pelo histórico de terríveis denúncias de violações de direitos humanos que marcam seus centros de detenção e às dificuldades de acesso da sociedade civil a estes lugares. Causa espanto, justamente por isso, a desconsideração e o desrespeito de contribuição da sociedade civil perante o Comitê, por ato unilateral do Ministério dos Direitos Humanos, assinado pelo vice-presidente do Comitê, Sr. Paulo Maldos.
As organizações abaixo-assinadas lembram a nulidade do ato do vice-presidente, que desrespeitou a decisão do Pleno quanto à inclusão da reserva de cotas no Edital, desconsiderando o Regimento interno do CNPCT, estabelecido por meio da Resolução Nº 1, de 14 de Agosto de 2014. Segundo o art. 14 do referido Regimento, “Cabe ao Presidente do CNPCT (e ao vice-presidente, em substituição a este): “cumprir e fazer cumprir as resoluções e recomendações emanadas do Plenário”.
Já o art. 2, inciso XVIII, e art. 13, inciso V, sobre as competências do CNPCT e atribuições do Plenário, não deixa dúvidas sobre a soberania do Pleno: “Cabe ao CNPCT “escolher os 11 (onze peritos do MNPCT entre pessoas com notório conhecimento e formação de nível superior, atuação e experiência na área de prevenção e combate à tortura e a outros tratamentos ou penas cruéis, desumanos ou degradantes.”
Cumpre salientar que a decisão tomada pelo Plenário do Comitê visa a garantir a efetividade de uma das mais importantes conquistas da histórica luta do movimento negro por equidade racial no Brasil. Na reunião de votação, a representante do Ministério de Direitos Humanos alegou que o edital não poderia contemplar a legislação por eventuais dificuldades procedimentais que poderiam gerar no processo seletivo (vide ata da 16° Reunião Ordinária do CNPCT). Não é cabível a administração pública justificar a não aplicação de políticas afirmativas na dificuldade de implementação interna, devendo atuar para a plena implementação de políticas públicas com esse escopo.
Pelo desrespeito ao processo democrático, ignorando a decisão da maioria e na resistência para a aplicação da Lei 12.099/2013, o que evidencia o caráter racista e antidemocrático deste processo, em um espaço que deveria ser o primeiro a condicionar as seleções públicas às políticas afirmativas, as organizações abaixo posicionaram-se, na 17ª reunião ordinária do CNPCT, pela retificação imediata do edital publicado, com a inserção do art. 4.3 que prevê a adoção de cotas, conforme deliberado pelo Pleno do CNPCT, sob pena de adotarem medidas administrativas e judiciais cabíveis para questionar a publicação do referido edital.
Novamente, os membros do Governo Federal posicionaram-se pela manutenção do Edital publicado unilateralmente pela vice-presidência, com a exclusão do art. 4.3 (de que trata a reserva de cotas raciais), por meio de um processo ilegítimo e antidemocrático de votação, uma vez que esta decisão já havia sido deliberada pelo Pleno na reunião anterior, em outubro de 2016.
Ressalte-se, por fim, que, durante a 17° Reunião Ordinária do CNPCT, a Secretaria Nacional de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (SNPPIR), vinculada ao Ministério de Direitos Humanos, publicizou Nota Explicativa recomendando a aplicação da reserva de cotas raciais no processo seletivo do MNPCT, tendo como base a Lei Federal 12.288/2010 (Estatuto da Igualdade Racial), os tratados internacionais de combate ao racismo dos quais o Brasil é signatário e o poder discricionário da administração pública, considerando a “ação afirmativa como um modo de combater as formas indiretas, mais sutis e veladas de discriminação, que acaba por resultar na exclusão de indivíduos com base no critério racial de determinados espaços sociais”.
Por fim, a SNPPIR, ao fazer levantamento dos processos seletivos do MNPCT, assinalou que 04 dos 11 peritos são declarados negros, o que evidencia a necessidade de medidas para manter ou ampliar o número de negros/as no MNPCT, “garantindo a representatividade da população negra nos espaços de poder”. Tal Nota Explicativa foi desconsiderada pelo próprio Governo Federal na manutenção de Edital sem reserva de cotas e assinado para a publicação no dia 20 de novembro, Dia da Consciência Negra.
05 de dezembro de 2017.
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