Última atualização em 7/2
No auge de uma das mais graves crises em seu sistema prisional, com registros de mais de 60 mortes em apenas um complexo prisional, o Brasil cancelou reunião de especialistas da ONU que debateriam em Brasília, entre os dias 28 e 31 de janeiro, a revisão das Regras Mínimas para o Tratamento de Presos – documento elaborado em 1956 para garantir a dignidade, o acesso à saúde e o direito à defesa da população carcerária. Delagações de 60 países estariam presentes, segundo o governo federal.
A decisão foi recebida com repúdio por organizações que participariam do encontro. Em carta dirigida à presidente Dilma Rousseff, à Casa Civil, ao Ministério da Justiça, à Secretaria Especial de Direitos Humanos, ao Itamaraty e ao Conselho Nacional de Justiça, Conectas e Pastoral Carcerária afirmaram que o Brasil perdeu uma oportunidade única para discutir, na presença de especialistas internacionais, os problemas de sua política penitenciária.
“A apenas uma semana do início do evento o Brasil informou que o encontro seria adiado, sem ao menos indicar nova data, demonstrando um descaso perante a comunidade internacional e a sociedade civil nacional com relação a um tema tão urgente.”
As entidades também ressaltaram que a falta de previsibilidade na organização de eventos desse porte mina a participação da sociedade civil. “Temos assistido a atitudes como essa por parte desse Governo e interpretamos essas ações como um enfraquecimento e negligenciamento de canais de diálogo que foram arduamente fortalecidos nas últimas décadas”, diz a carta.
A justificativa oficial para o cancelamento é a de que circunstâncias internas não previstas estariam demandando atenção das autoridades que deveriam participar do evento.
Leia aqui o documento na íntegra.
No início de fevereiro, as organizações receberam uma resposta oficial à carta de repúdio. No documento, a coordenadora-geral de Combate aos Ilícitos Internacionais, Márcia Loureiro, reafirma que o evento foi cancelado pela falta de agenda de autoridades brasieliras e garante que o governo está se articulando com a ONU para marcar uma nova data. Veja aqui a íntegra da resposta.
Esforço internacional
O processo de revisão das Regras Mínimas teve início abril de 2012. Desde então, o Grupo Intergovernamental de Especialistas já se reuniu em duas ocasiões: em Viena, na Áustria, e em Buenos Aires, na Argentina. Conectas esteve presente nas duas oportunidades.
Em outubro de 2013, a organização apresentou, em conjunto com o Cels (Centro de Estudos Legais e Sociais), da Argentina, um documento de 49 páginas com contribuições para os especialistas.
A Comissão Interamericana de Direitos Humanos da OEA apoiou a inclusão das propostas da Conectas e do Cels no processo de revisão das Regras Mínimas para Tratamento de Presos – especialmente a proposta de banir definitivamente do procedimento adotado nos presídios a chamada “revista vexatória”. Nesta prática, agentes penitenciários chegam a revistar o interior de órgãos genitais de homens, mulheres e crianças de colo que visitam parentes encarcerados, sob pretexto de barrar a entrada de armas e chips de celular nas celas. Mulheres também são obrigadas a agachar, nuas, repetidas vezes, na frente dos agentes. Leia o documento no qual a OEA acolhe proposta da Conectas e do Cels.