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Na ONU, Bolsonaro faz discurso anti-ciência e descreve Brasil descolado da realidade

Em pronunciamento na 76ª Assembleia Geral anual do órgão, presidente brasileiro defende tratamentos ineficazes contra Covid-19 e omite desmonte de políticas ambientais

Presidente Jair Bolsonaro discursa na abertura da 76ª Assembleia Geral da ONU, em Nova York. (Foto: UN Photo/Cia Pak) Presidente Jair Bolsonaro discursa na abertura da 76ª Assembleia Geral da ONU, em Nova York. (Foto: UN Photo/Cia Pak)

Em novo aceno a sua base radical e distante dos grandes desafios mundiais em direitos humanos, o presidente Jair Bolsonaro abriu nesta terça-feira (21), em Nova York, a 76ª Assembleia Geral da ONU descrevendo um Brasil que caminha na contramão da ciência na gestão da pandemia e descolado da realidade, no que se refere à preservação ambiental.

Diante dos líderes mundiais, o presidente disse não entender porque muitos países, juntamente com parte da mídia, se colocaram contra o tratamento inicial, referindo-se à administração de hidroxicloroquina e ivermectina, por exemplo — medicações comprovadamente ineficazes no combate à Covid-19.

“Desde o início da pandemia, apoiamos a autonomia do médico na busca do tratamento precoce, seguindo recomendação do nosso Conselho Federal de Medicina”, afirmou o presidente.  “Eu mesmo fui um desses que fez tratamento inicial. Respeitamos a relação médico-paciente na decisão da medicação a ser utilizada e no seu uso off-label”, afirmou.

De acordo com Camila Asano, diretora de programas da Conectas Direitos Humanos, o presidente usou a tribuna da ONU para emitir um atestado de culpa sobre a gestão desastrosa da pandemia. 

“Não bastassem todos os constrangimentos por ter decidido não se vacinar, Bolsonaro usa seu tempo em uma das tribunas mais importantes do mundo para propagar tratamentos comprovadamente ineficazes contra a Covid-19 e para criticar as medidas de distanciamento social, na contramão do que afirma a ciência e a OMS”, declarou Asano. “É uma posição que desrespeita as vítimas da pandemia e prejudica ainda mais a credibilidade internacional brasileira no momento em que o presidente se esforça em atrair investimentos internacionais”, complementa.

Meio ambiente

Enquanto, minutos antes, o secretário-geral da ONU, António Guterres, discursou chamando a atenção das lideranças mundiais aos maiores desafios atuais da humanidade, o presidente Jair Bolsonaro usou boa parte de seu pronunciamento para tentar convencer investidores externos de que o Brasil teria tudo o que buscam e enaltecer a legislação ambiental brasileira.  Segundo Asano, entretanto, o discurso omite um cenário bastante diferente: 

“Mais uma vez o presidente parece ignorar que os investidores se afastam cada vez mais de países com governos que não respeitam os direitos socioambientais. Os investidores não serão ludibriados por afirmações do discurso de que o Brasil protege o meio ambiente, quando é sabido que o governo Bolsonaro tenta aprovar no Congresso projetos de lei para enfraquecer a legislação ambiental, dificultar a demarcação de terras indígenas e minorar as regras de licenciamento”, contesta.

Diferente do que afirma o presidente, o desmatamento aumentou em sua gestão. Considerando a série histórica do Deter/Inpe desde 2015, os períodos entre 2019-2020 e 2020-2021 tiveram a maior área de derrubada de florestas já registrada. 

Discriminação religiosa

Como nos anos anteriores, Bolsonaro destacou a acolhida de refugiados venezuelanos, afirmando já ter recebido 400 mil pessoas oriundas deste país, e também demonstrou preocupação com a situação do Afeganistão. “Concederemos visto humanitário para cristãos, mulheres, crianças e juízes afegãos”, declarou o presidente na ONU. 

Para Asano, entretanto, as afirmações são preocupantes pois revelam discriminação de cunho religioso:

“Ao afirmar que dará refúgio a cristãos afegãos, o presidente faz uma evidente discriminação contra as demais religiões. Isso viola os princípios da lei de migração e da lei de refúgio e  em nada combina com acolhimento humanitário”, afirma Asano. “Além disso, é contraditório ouvir o presidente  usar a Operação Acolhida de refugiados venezuelanos como vitrine da política migratória brasileira, uma vez que o governo fechou as fronteiras, de maneira discriminatória, a migrantes desta nacionalidade usando a pandemia como desculpa”, complementa.

Racismo

Até quando tentou mostrar algum avanço em direitos humanos no Brasil, Bolsonaro evidenciou o quanto essa agenda é fragilizada e distorcida por seu governo. 

De acordo com Asano, as poucas medidas positivas apresentadas no discurso, como o pagamento do auxílio emergencial e a vacinação de quase 90% da população, aconteceram apesar do presidente, e não como resultado de sua atuação. Ela menciona ainda a citação feita à ratificação da Convenção Interamericana contra o Racismo.

“De forma solta, o presidente mencionou a ratificação da Convenção, mas é sintomático que não tenha apresentado nenhuma política pública de combate ao racismo, dado que essa pauta nunca foi prioridade de sua gestão”, avalia.  

Como exemplo da falta de compromisso no combate ao racismo, Asano cita o desmonte promovido na Fundação Palmares, responsável por garantir a proteção da memória e patrimônio cultural da população negra no Brasil.

Segundo dados do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, das 50 mil mortes violentas intencionais ocorridas em 2020, 76% tiveram pessoas negras como vítimas. A população negra foi alvo preferencial da letalidade policial, respondendo por 78,9% das 6.416 mortes por intervenção das forças de segurança.


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