Venezuela, Equador e Bolívia ameaçam deixar OEA caso não haja mudanças. Brasil deseja aprimorar estrutura, e sociedade civil quer assegurar independência do sistema
Por: Tadeu Breda, Rede Brasil Atual
São Paulo – O Sistema Interamericano de Direitos Humanos (SIDH) foi colocado na berlinda durante a 42ª Assembleia Geral da Organização dos Estados Americanos (OEA), que termina hoje (5) na pequena cidade de Tiquipaya, próxima a Cochabamba, na Bolívia. A discussão foi pautada pelos países da Aliança Bolivariana das Américas (Alba), que exigem mudanças na estrutura da SIDH e ameaçam abandonar a entidade caso não passe por uma renovação.
O alerta foi feito pelo presidente do Equador, Rafael Correa, que assumiu as funções de representante da Alba ao longo da Assembleia. O equatoriano criticou o Sistema Interamericano de Direitos Humanos por funcionar segundo agenda própria, desvinculada dos governos democraticamente eleitos pelos povos da região. “Se for necessário, iremos nos retirar e criar um sistema de direitos humanos latino-americano ou sul-americano”, expressou. “Se não respondem a nossas exigências, já não temos mais tempo a perder. Necessitamos criar algo novo, melhor e nosso.
A OEA foi fundada em 1948 e, durante a Guerra Fria, tomou algumas atitudes condenadas por muitos dos grupos políticos que hoje lideram os países do continente. A exclusão da Cuba recém-convertida ao socialismo, em 1962, e o descumprimento do Tratado Interamericano de Assistência Recíproca (Tiar) quando Argentina e Inglaterra guerrearam pelas Ilhas Malvinas, em 1982, são frequentemente lembrados como episódios nos quais a OEA defendeu os interesses dos Estados Unidos, e não do conjunto de países americanos.
Direitos Humanos
No que se refere aos direitos humanos, porém, o sistema interamericano tem sido fundamental para produzir avanços em todo o continente, avalia Juana Kweitel, diretora de programas da Conectas, uma ONG dedicada aos direitos humanos sediada no Brasil. “A Lei Maria da Penha, que combate a violência contra a mulher no país, e a política nacional contra o trabalho escravo saíram de processos iniciados na Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH)”, lembrou. “O sistema tem salvado vidas e servido para orientar políticas públicas importantes em diversos países da região.”
Por isso, 30 organizações não governamentais assinaram e divulgaram em Cochabamba um manifesto contrário às reformas no sistema interamericano de direitos humanos. De acordo com o documento, as nações americanas devem entender que não poderão tornar-se lideranças globais sem assumir compromissos genuínos com os direitos humanos para todos os habitantes do continente. “Os Estados devem reafirmar os princípios de independência para os órgãos de direitos humanos”, conclui a carta.
A autonomia do sistema interamericano tem sido, precisamente, o pomo da discórdia durante a 42ª Assembleia Geral. Juana Kweitel avalia que alguns Estados sentem-se ameaçados pelas análises e recomendações da CIDH – sobretudo quando tais decisões contrariam seus interesses políticos ou econômicos. Daí o desconforto. “Um fato primordial é que os membros da comissão são todos especialistas, e não representantes dos Estados”, define. “Estão lá devido a seu conhecimento e compromisso com os direitos humanos, e têm independência para tomar decisões.”
A posição do Brasil
Junto com a Alba, mas não necessariamente com as mesmas propostas e motivações, o Brasil engrossa o grupo de países que pede mudanças na CIDH. Por isso, a diretora da Conectas afirma que o Brasil não está atuando no sentido de defender a autonomia do sistema. “A defesa dos direitos humanos requer um posicionamento enérgico a favor da independência, e o país não está fazendo os esforços necessários para garanti-la”, critica. Juana Kweitel reconhece, porém, que algumas mudanças seriam bem-vindas para dar maior celeridade à análise das violações aos direitos humanos e garantir mais recursos financeiros ao sistema.
O centro da irritação brasileira com a CIDH se deu quando a entidade recomendou a paralisação das obras de Belo Monte. A visão da organização é de que se trata de uma empreitada repleta de violações aos direitos dos povos indígenas e dos moradores ribeirinhos, que não foram consultados sobre o problema. Além de elevar a retórica quando do pedido, o governo brasileiro cortou recursos e deixou de enviar o ex-ministro da Secretaria de Direitos Humanos, Paulo Vannuchi, como seu representante na comissão.
Por meio da assessoria de imprensa, o Itamaraty reafirmou seu interesse na autonomia da CIDH e explicou que as mudanças que defende são sistêmicas. “Enxergamos a necessidade atualizar e aprimorar o sistema interamericano de direitos humanos para evitar sua seletividade e politização”, afirma. “A Alba nutre preocupações de outra natureza, que serão analisadas pela OEA, mas sustenta linhas que não são compartilhadas pelo Brasil. Nossa preocupação tem a ver com mecanismos de gestão, definição de prioridades e mensuração de resultados.”
O Ministério das Relações Exteriores nega ter acentuado suas críticas à OEA depois que a Comissão Interamericana de Direitos Humanos pediu a suspensão do licenciamento ambiental para a construção da Usina de Belo Monte, no Rio Xingu, em abril de 2011. Na época, o governo brasileiro se disse “perplexo” com a requisição. “Nossa posição não mudou”, assegura a assessoria de imprensa do Itamaraty. “Essa discussão vem de antes.”
Com Agência Boliviana de Informação (ABI)