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30/08/2023

Marco temporal: entenda a diferença entre a votação no STF e no Congresso

Discussões sobre tese que limita direito constitucional à terra levanta debate sobre a importância dos povos indígenas para o Brasil

Indígena durante manifestação contra o chamado Marco temporal em frente ao Congresso Nacional em maio de 2023. (Foto de Sergio Lima / AFP) Indígena durante manifestação contra o chamado Marco temporal em frente ao Congresso Nacional em maio de 2023. (Foto de Sergio Lima / AFP)

O STF  (Supremo Tribunal Federal) deve retomar nesta semana o julgamento do RE (Recurso Extraordinário) 1.017.365 que discute se as demarcações de terras indígenas devem seguir ou não a tese do marco temporal. O tema também está em discussão em um projeto de lei que tramita no Senado Federal. 

A seguir, explicamos os principais pontos do projeto legislativo e do julgamento no STF: 

O que é o marco temporal? 

O marco temporal é uma tese que considera que os indígenas só teriam direito à terra se estivessem sob sua posse no dia 5 de outubro de 1988, data da promulgação da Constituição Federal, ignorando as históricas violações que esses povos sofreram ao longo dos anos. 

A tese é perversa porque legaliza e legitima as violências a que os povos foram submetidos até a promulgação da Constituição de 1988, em especial durante a Ditadura Militar. Além disso, ignora o fato de que, até 1988, os povos indígenas eram tutelados pelo Estado e não tinham autonomia para lutar, judicialmente, por seus direitos.

O que está em jogo no STF?

 O STF julga o RE (Recurso Extraordinário) 1.017.365, que é um pedido de reintegração de posse movido pelo Instituto do Meio a Ambiente de Santa Catarina (IMA) contra a Funai e indígenas do povo Xokleng. No julgamento, os ministros vão decidir se casos judiciais envolvendo demarcações de terras indígenas devem seguir ou não a tese do marco temporal. 

Em decisão do dia 11 de abril de 2019, o plenário do STF reconheceu por unanimidade a “repercussão geral” do julgamento do RE 1.017.365. Isso significa que o que for julgado nesse caso servirá para fixar uma tese de referência a todos os casos envolvendo terras indígenas, em todas as instâncias do Judiciário.

Há muitos casos de demarcação de terras e disputas possessórias sobre TIs que se encontram, atualmente, judicializados. Também há muitas medidas legislativas que visam retirar ou relativizar os direitos constitucionais dos povos indígenas. Ao admitir a repercussão geral, o STF reconhece, também, que há necessidade de uma definição sobre o tema.

E no Congresso Nacional?

No Congresso Nacional, o tema tramita como PL (Projeto de Lei) 2903 e visa a transformação da tese do marco temporal em Lei. Em maio de 2023, organizações da sociedade civil levaram os riscos da tramitação do projeto à ONU, com alertas sobre a inconstitucionalidade do projeto e a inviabilização da demarcação de terras indígenas. De acordo com as entidades, o projeto apresenta quatro pontos  mais críticos: a inconstitucionalidade do projeto, a inviabilização da demarcação de terras indígenas, o desprezo a consulta e o consentimento livre, prévio e informado, e, por fim, a divergência com os esforços de proteção ambiental e enfrentamento às mudanças climáticas.

O que dizem organismos internacionais? 

Em diferentes momentos, a ONU e a OEA se manifestaram contra a tese do marco temporal. Francisco Cali Tzay, Relator Especial da ONU sobre os direitos dos povos indígenas, “a aceitação de uma doutrina de marco temporal resultaria em uma negação significativa de justiça para muitos povos indígenas que buscam o reconhecimento de seus direitos tradicionais à terra. De acordo com a Constituição, os povos indígenas têm direito à posse permanente das terras que tradicionalmente ocupam”. 

A CIDH, por sua vez, reiterou sua preocupação com a tese jurídica do “marco temporal” e advertiu que esta poderia ter sérios efeitos sobre o direito de propriedade coletiva dos povos indígenas e tribais do Brasil.

A comissão também reafirmou que a aplicação desta tese contradiz as normas internacionais e interamericanas de direitos humanos, em particular a Convenção Americana sobre Direitos Humanos e a Declaração Americana sobre os Direitos dos Povos Indígenas. Em particular, porque não leva em consideração os inúmeros casos em que os povos indígenas foram deslocados à força de seus territórios, muitas vezes com extrema violência, razão pela qual não estavam ocupando seus territórios em 1988.

Qual o papel das terras indígenas na preservação ambiental?

A demarcação de terras indígenas é um direito garantido pela Constituição de 1988, ainda assim os povos originários enfrentam dificuldades para ter seus direitos reconhecidos. 

De acordo com o IBGE, as terras destinadas à agropecuária ocupavam 41% do território nacional em 2017, com tamanho médio de 69 hectares por dono. Enquanto isso, os indígenas — que tem uma população de 896.917, de acordo com o último Censo de 2010 — possuem demarcados apenas 13,8% de todo território nacional.  A média mundial é 15%, segundo pesquisa publicada na revista “Nature Sustainability”.

De acordo com  levantamento do MapBiomas, as terras indígenas são grandes responsáveis por garantir a proteção dos biomas brasileiros. Somente 1,6% de todo desmatamento que aconteceu nos últimos trinta anos foi registrado nessas áreas (territórios demarcados ou aguardando demarcação). Por outro lado, as áreas privadas foram responsáveis por 68% da perda de vegetação nativa.

A conservação das grandes extensões de vegetação das Terras Indígenas garantem a manutenção de serviços ecossistêmicos essenciais, como a regulação climática e do regime de chuvas, a manutenção dos mananciais de água, a estabilidade e fertilidade do solo, controle de pragas e doenças, entre outros. Além de benéficas para a vida na Terra, essas funções também são essenciais à agricultura e à pecuária, e garantem também a manutenção da indústria e do bem estar nas  cidades. 

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