Voltar
-
11/02/2014

Marco Civil remendado

A espera de votação no Congresso há seis meses, projeto-modelo sofre alterações



O Brasil tem nas mãos, desde 2010, uma dos textos mais progressistas no que diz respeito à regulação da internet. Construído através de um amplo processo de consulta aos usuários, o Marco Civil é hoje referência em debates internacionais sobre governança da rede. Apesar de possuir caráter de urgência, o projeto aguarda votação no Congresso há pelo menos seis meses.

Ganhar tempo tem sido a estratégia das empresas de telecomunicações, descontentes com os três pilares do texto – a neutralidade, a privacidade e a liberdade de expressão. Elas têm o apoio da maior bancada na Câmara, a do PMDB. O partido é contrário ao projeto apesar de formar parte da base aliada do governo federal, principal defensor do Marco Civil.

O bloqueio tem surtido efeito. No início de dezembro, o relator Alessandro Molon fez mudanças na redação para atender o setor. A nova versão garante a “liberdade dos modelos de negócios promovidos na internet, desde que não conflitem com os demais princípios estabelecidos na lei”.

Mas as empresas querem mais. Elas pedem que o texto permita a venda de pacotes de dados que alterem a velocidade de transmissão conforme o conteúdo acessado – o que vai de encontro ao princípio de que as informações não podem ser discriminadas pela infraestrutura da rede.

“As teles vão continuar vendendo pacotes com velocidades de 1 mega, 2 megas, 10 megas. O que não pode é discriminar origem e destino e conteúdo dentro da velocidade que eu comprei. Tudo terá de ser tratado de maneira igual”, afirmou Molon. O relator reitera a inviolabilidade dos pilares do projeto, mas sua iniciativa de contentar o setor mostra que o projeto seguirá suscetível à disputa política e econômica enquanto não for votado.

Censura

Empresas do setor audiovisual também entraram na disputa e conseguiram incluir no texto um item que prevê a retirada de conteúdos que violem direitos autorais sem a necessidade de decisão judicial. Sites e provedores que não cumprirem as notificações poderão ser punidos judicialmente.

A mudança gerou revolta nos movimentos ciberativistas por favorecer a insegurança jurídica desses intermediários, o que pode promover a censura prévia que já acontece, por exemplo, em redes sociais e motores de busca. Por medo de ações judiciais, os sites e provedores bloqueariam conteúdos de maneira indiscriminada.

Governança global

O estancamento do Marco Civil no Brasil e o vazio jurídico que ele deixa contrasta com o crescente protagonismo do País nas discussões sobre a governança global da internet. O tema virou bandeira da diplomacia brasileira depois do incisivo discurso da presidente Dilma Rousseff na abertura da reunião da Assembleia Geral da ONU, em outubro. Em sua fala, a presidente criticou os programas de espionagem da Agência Nacional de Segurança americana denunciados pelo ex-agente Edward Snowden.

O descontentamento do Brasil se somou ao da Alemanha e os países apresentaram à  Assembleia Geral das Nações Unidas uma proposta de resolução que tem como alvo a política de privacidade nos meios eletrônicos.

O texto se apoia no artigo 12 da Declaração Universal dos Direitos Humanos e no artigo 17 do Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos que estabelecem o direito à privacidade, à inviolabilidade de correspondência e a proteção contra ofensas.

Informe-se

Receba por e-mail as atualizações da Conectas