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24/05/2017

Lógica da ‘guerra às drogas’ falhou no Brasil, diz OEA

Em audiência inédita, CIDH critica encarceramento massivo por crimes relacionados a drogas no país



Para o comissário da CIDH (Comissão Interamericana de Direitos Humanos da OEA) James Cavallaro, “a lógica da guerra às drogas falhou e o Brasil deve abandoná-la”. A fala aconteceu durante audiência inédita sobre violações de direitos humanos decorrentes da atual política brasileira de combate às drogas. A reunião aconteceu na manhã de hoje (24/5) em Buenos Aires, na Argentina, e foi solicitada pela Conectas Direitos Humanos em conjunto com a Plataforma Brasileira de Política de Drogas.

A CIDH já havia discutido o tema em 2014, mas sob a perspectiva latino-americana. Essa é, portanto, a primeira vez que a política de drogas brasileira é alvo de questionamento específico na Comissão.

“A realização de uma audiência exclusiva sobre o Brasil indica que a OEA está sensibilizada para o que está acontecendo no país – seja a violência com que a polícia tem lidado com usuários, seja a situação de colapso do sistema prisional”, diz Rafael Custódio, coordenador do programa de Justiça da Conectas, que esteve presente na reunião.


Assita a audiência:


A audiência aconteceu em meio à megaoperação policial realizada pela prefeitura e o Estado de São Paulo na região do centro da capital conhecida como Cracolândia. As entidades demandaram, diante dos comissários, que as autoridades interrompam imediatamente as ações violentas no local e retomem as políticas de assistência social aos usuários dependentes.

“É inaceitável que ainda hoje se adotem políticas de higienização social como essa”, afirmou Gabriel Elias, coordenador de Relações Institucionais da Plataforma Brasileira de Política de Drogas. Ele destacou, ainda, o pedido da prefeitura de internar compulsoriamente mais de 400 frequentadores da Cracolândia. “Essa é uma tentativa do Estado de legitimar novas formas de encarceramento de usuários de drogas, contrariando orientações internacionais e a própria legislação brasileira”, completou.

 

Sistema prisional

Outro tema de destaque na audiência foi o impacto negativo da atual Lei de Drogas (11.343/2006) no sistema prisional. Segundo dados de dezembro de 2014 do Ministério da Justiça (os mais recentes disponíveis), 25,7% dos homens e 64,1% das mulheres presas respondem por crimes relacionados ao tráfico. Em Estados como São Paulo, o tráfico é responsável pela internação de 40% das adolescentes no sistema socioeducativo.

“A combinação da lei de crimes hediondos e da atual Lei de Drogas é a maior responsável pelo estado de coisas inconstitucional do sistema prisional brasileiro”, afirmou Custódio durante a reunião.

Para as organizações, a inclusão do tráfico na Lei de Crimes Hediondos (8.072/1990) é utilizada por juízes, promotores e policiais para negar direitos básicos a determinados segmentos da população. Essa mudança impede, por exemplo, que acusados por tráfico respondam em liberdade provisória e tenham acesso a penas alternativas à prisão, além de dificultar o regime de progressão de pena.

Como caso paradigmático, as entidades mencionaram a história de Desireè Mendes Pinto, presa em 2012 durante a “Operação Sufoco” na Cracolândia. Depois de cinco anos aguardando recurso em liberdade, ela se estabeleceu como confeiteira, tornou-se microempreendedora e estudou, mas sua liberdade e recuperação estão em risco por pedido de prisão determinado pelo Ministério Público no último dia 9/5.

“A opção política do Estado brasileiro se mostrou desproporcional, nefasta e ineficiente. Pior: com a Lei de Drogas de 2006, houve um aumento da pena mínima de três para cinco anos de reclusão, o que contribuiu para a explosão do número de presos”, completou Custódio.

A conclusão foi compartilhada pelos comissários, para quem a relação entre a política de combate às drogas e a superlotação dos presídios é direta e deve ser revista. Representantes do governo brasileiro reconheceram a necessidade de investir em medidas alternativas à prisão, mas insistiram que o problema das drogas não é exclusivo do Brasil.

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