Lição não aprendida
Indonésia ignora clamor internacional e executa condenados por tráfico
Activists protest against the executions outside the Office of the Attorney General
Era início da madrugada na Ilha de Nusakambangan, na Indonésia, quando oito condenados à morte por tráfico, entre eles o brasileiro Rodrigo Goularte, de 42 anos, se posicionaram diante do pelotão de fuzilamento. O grupo decidiu encarar os verdugos e desafiar o silêncio. Sem vendas, com os olhos abertos, entoaram o hino cristão ‘Amazin Grace’ até serem definitivamente interrompidos pelos disparos. Fora da zona de execução, entre familiares e defensores de direitos humanos, houve quem reagisse ao som das armas com aplausos.
“Há muita tristeza e frustração”, afirmou Haris Azhar, diretor da KontraS, uma das mais importantes organizações de direitos humanos do país. Ele acredita que a consternação internacional ao redor das execuções pode aumentar a mobilização contra o fim da prática, servindo de referência “não só para a Indonésia, mas também para o Brasil e todos os outros países que lutam contra a pena de morte”.
Segundo
comunicado publicado pela KontraS, uma serie de irregularidades foram cometidas nos processos judiciais relacionados às execuções de ontem. “Elas indicam que há graves problemas legais na República da Indonésia. O Estado falhou em garantir a lei e em usar o aparato estatal para garantir a segurança jurídica em todos os processo de investigação que foram conduzidos.
Em solidariedade à família, Azhar e outros defensores participaram de uma missa organizada em memória de Goularte. “Agora, a prioridade é garantir atenção adequada à Angelita Muxfeldt, prima dele. Ela se desgastou muito nos últimos dias, está muito frágil”, concluiu o ativista.
Segundo informações do Itamaraty, foram feitos sete apelos para que o governo indonésio abrisse mão das execuções. Também houve pressão por parte de organizações internacionais de direitos humanos,
mobilizadas desde o anúncio da retomada das execuções, no início do ano. Na segunda-feira (27/4), Conectas e Anistia Internacional enviaram
carta ao presidente Joko Widodod pedindo clemência aos sentenciados e a abolição da pena de morte no país.
“Particularmente, em relação ao uso da pena de morte para crimes relacionados às drogas, não se pode tolerar a aplicação de uma pena muito mais violenta que o próprio crime. A pena de morte é conhecida por ser contra-produtiva no controle dos índices de criminalidade, não tem lugar no mundo moderno e tampouco pode coexistir em democracias emergentes, como é o caso da Indonésia”, afirma o documento.
Leia aqui a íntegra da carta.
Para Camila Asano, coordenadora de Política Externa da Conectas, “a Indonésia dá outro passo decisivo em direção a um grupo cada vez mais isolado de nações que reconhecem a pena de morte como um instrumento legítimo para responder aos desafios sociais”. “O governo de Joko Widodo erra e coloca em risco as grandes conquistas alcançadas pelo país nos últimos anos do ponto de vista da garantia de direitos. Além de claramente fracassar em seu pretenso objetivo de reduzir o tráfico, a execução de hoje é símbolo de um grande retrocesso”, completa.
Segundo o
último relatório sobre pena de morte no mundo da Anistia Internacional, apenas 22 países executaram sentenciados em 2014.
Difícil recomeço
Essa é a segunda rodada de fuzilamentos na Indonésia em 2015. Em fevereiro, seis sentenciados (entre eles o brasileiro Marcos Archer) foram mortos. A retomada da pena capital sob a justificativa de reprimir ao tráfico era uma das principais bandeiras de campanha do presidente Joko Widodo, eleito em julho do ano passado.
Widodo é o primeiro presidente indonésio do período pós-ditatorial (1967-1998) sem conexões com o antigo regime – e, justamente por isso, encarnou o sonho de consolidação da democracia no país, depois de 17 anos de transição. Seu governo, no entanto, tem sofrido críticas crescentes por conta da dura política anti-drogas. Em nota publicada ontem, o Planalto afirmou que a execução de Goularte constitui “fato grave no âmbito das relações entre os dos países”.