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25/06/2012

Juristas questionam uso da prisão provisória em nome da ordem pública

Rede Justiça Criminal debate uso da prisão preventiva no Rio de Janeiro e em São Paulo

Rede Justiça Criminal debate uso da prisão preventiva no Rio de Janeiro e em São Paulo Rede Justiça Criminal debate uso da prisão preventiva no Rio de Janeiro e em São Paulo

“Em 93% dos casos não se justificava a manutenção da prisão provisória; em 65% das decisões de manutenção da prisão provisória a fundamentação era a manutenção da ordem pública; dos pedidos de liberdade feitos no DIPO [Departamento de Inquéritos Policiais], o percentual de sucesso era de 9,6%”.
Os números são de pesquisa realizada pelo Instituto Terra, Trabalho e Cidadania (ITTC) e pela Pastoral Carcerária no Centro de Detenção Provisória (CDP) I da cidade de São Paulo, apresentada por Julita Lemgruber no início da primeira mesa do Seminário “A prisão provisória no Rio de Janeiro e em São Paulo”.
O evento, promovido pela Rede Justiça Criminal na última sexta-feira, 15, na Faculdade de Direito da Fundação Getúlio Vargas em São Paulo, tinha como proposta discutir o uso da prisão provisória a partir de pesquisas realizadas por organizações que fazem parte da Rede.
Os principais estudos apresentados foram (clique para baixar os relatórios):

“Prisão Provisória e Lei de Drogas – um estudo sobre os flagrantes de tráfico de drogas na cidade de São Paulo”, do Núcleo de Estudos da Violência da Universidade de São Paulo (NEV-USP)

“Impacto da assistência jurídica a presos provisórios – um experimento na cidade do Rio de Janeiro”, da Associação pela Reforma Prisional (ARP)

“Tecer Justiça – presas e presos provisórios da cidade de São Paulo”, do ITTC e Pastoral Carcerária

“Prisões em Flagrante na Cidade de São Paulo”, do Instituto Sou da Paz

Na abertura do evento, Helena Romanach, Coordenadora de Justiça Criminal do Instituto Sou da Paz, e Mary Miller-Flowers, representante de Open Society Foundations, organização internacional que apoia os projetos da Rede, defenderam a importância de discutir o uso da prisão provisória no contexto da eficácia das diferentes medidas penais. “Há coisas positivas que podemos aprender com os Estados Unidos, mas certamente uma delas não é o encarceramento excessivo”, declarou Helena.

“O Brasil está seguindo muito rápido os EUA em matéria de presos; na América Latina, o Brasil está em primeiro lugar, com 50% do total de presos. É um impacto forte, por isso é tão importante debater o tema no Brasil”, defendeu a representante de Open Society Foundations.

Em nome da Conectas Direitos Humanos, o advogado Rafael Custódio apresentou os dados do Brasil à luz de um contexto global dos Direitos Humanos. Mencionando o relatório do Subcomitê de Tortura da ONU, lançado na véspera, apontou problemas no sistema carcerário brasileiro como superlotação exacerbada, ocorrência de tortura, falta de saneamento básico, revistas vexatórias, além de corrupção e controle por facções criminosas, entre outros.

“Lembrando que o preso provisório deve ser tratado como inocente, vemos como o Brasil trata seus inocentes ao ver os dados sobre prisão provisória”, declarou Custódio. A Conectas também ressalta que, comparando as últimas Revisões Periódicas Universais da ONU, vê-se que em quatro anos houve um aumento de 500% no número de recomendações a respeito de justiça criminal e prisões provisórias: eram apenas quatro em 2008 e foram 20 nesta última, de 2012.

notícias sobre outros debates do Seminário:

“Temos que prender menos”, defende Delegado

Debate sobre dinâmica do sistema de justiça fecha Seminário sobre prisão provisória

A ordem pública e a prisão provisória

Questionando a fundamentação da manutenção e defesa da “ordem pública”, amplamente usada na decisão sobre manutenção de prisões provisórias, Julita Lemgruber observou que, mesmo com a lei 12.403, que permite a substituição da prisão cautelar por outra medida cautelar, os Juízes ainda preferem a prisão. “O que se escrevia antes em três linhas, agora se escreve em 15, mas a decisão final é a mesma: manter preso”.

A fala de Julita abria a primeira mesa de debates do Seminário, sobre “Crimes não violentos”. A socióloga também apresentou números da pesquisa da ARP que compararam a defesa criminal oferecida por advogados particulares ligados à organização com a defesa oferecida pela Defensoria Pública no Rio de Janeiro, problematizando a qualidade da assessoria jurídica gratuita oferecida aos réus presos sem condição de pagar advogados particulares: 10% de êxito na obtenção de liberdade no caso destes últimos e 30% no caso dos advogados do projeto. O tópico motivou, mais tarde, debates sobre os fatores que dificultam o trabalho das Defensorias Públicas nos diferentes Estados e os desafios em torno da assessoria jurídica gratuita, fundamental nesta temática.

Rubens Casara, Juiz de Direito no Rio de Janeiro e integrante da Associação Juízes pela Democracia, apresentou números de uma pesquisa que realizou com 27 juízes no Rio de Janeiro. “A análise das fundamentações [usadas para prender] revelam que se usa a prisão como instrumento de pacificação social e de garantia da ordem pública; entrevistados, 22 juízes disseram que levam em consideração o valor segurança pública em suas decisões, ou seja: sentem-se agentes da segurança pública quando são agentes da justiça”, relatou.

Segundo Casara, muitos magistrados desconhecem instrumentos cautelares alternativos à prisão, assim como princípios como a presunção de inocência, excepcionalidade da prisão e do caráter provisório da medida cautelar.

O juiz propôs uma releitura de institutos como a reincidência, outro fundamento de boa parte das prisões provisórias: “é um fenômeno autoritário, frontalmente contrário à Constituição; é um bis in idem, a punição da pessoa e não do que ela fez”, defendia. “O grande foco hoje devia ser afastar a reincidência [da fundamentação], porque ela é, na verdade, a falência do Estado em reinserir a pessoa presa na sociedade atribuída ao indivíduo que reincidiu”.

Para Casara, é necessário mudar a formação dos juízes e os critérios utilizados nos concursos públicos, muito voltados a conteúdos acadêmicos. “O que vemos não é um problema legal, nem estrutural, físico, é hermenêutico: os atores jurídicos trabalham sobre uma concepção autoritária, na interpretação e na aplicação da lei”, afirmou.

Trazendo relatos reais de presos provisórios atendidos pelo projeto SOS Liberdade, mutirão carcerário do Instituto de Defesa do Direito de Defesa (IDDD), o advogado criminalista e Diretor do Instituto Andre Kehdi foi o último expositor da mesa.

Kehdi ressaltou situações como a burocracia e o controle no acesso dos advogados aos presos. “A comunicação entre o advogado e o cliente fica prejudicada pelo fato de o agente penitenciário ‘ter’ que ficar no mesmo espaço que os advogados durante o atendimento”, relatou sobre a decisão da Direção do Presídio considerar necessária a presença de um agente no espaço em razão da necessidade da segurança dos próprios advogados.

Para Kehdi, pelo simples relato dos presos é possível perceber que há inúmeros problemas: “eles geralmente apanham da Polícia Militar no momento em que são presos (‘vagabundo’ e tapa na cara é o básico); fica claro que há muito autoritarismo, chancelado nas prisões em flagrante”, contou.

Interpretando a prisão provisória como uma questão social, Kehdi defendeu melhor estruturação para a Defensoria Pública. “A Defensoria não dá conta, mas nós também não damos conta de atender todas as demandas; quando chegamos lá, há pessoas estão presas há 15 dias sem que ninguém seja informado, nem a família, nem a Defensoria, os dados são tristes”.

Este primeiro debate contou com a mediação de José de Jesus Filho, da Pastoral Carcerária.

Sobre a Rede Justiça Criminal

Formada por nove organizações do Rio de Janeiro e de São Paulo (Instituto Sou da Paz, Instituto de Defesa do Direito de Defesa – IDDD, Instituto Terra, Trabalho e Cidadania – ITTC, Pastoral Carcerária, Justiça Global, Núcleo de Estudos da Violência da Universidade de São Paulo – NEV/USP, Conectas Direitos Humanos, Instituto de Defensores de Direitos Humanos – IDDH e Associação pela Reforma Prisional – ARP), a Rede desenvolve projetos em torno da prisão provisória no país desde 2010, problematizando seu uso abusivo.

A Rede trabalha no levantamento e na produção de dados sobre o tema e na proposição de medidas para que o sistema de justiça criminal atue de forma mais eficiente e respeitadora dos direitos de todos os cidadãos. As atividades da Rede compreendem atendimento jurídico, produção de pequisas, monitoramento do Congresso Nacional, atuação em Brasília junto aos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, entre outras.

Veja os vídeos do evento:

Parte 4 – Dinâmica do Sistema de Justiça Criminal

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