(Atualizado em 14/8) – Está previsto para a próxima quarta-feira (19/8) o início do julgamento do recurso extraordinário 635.659, que questiona a constitucionalidade do artigo 28 da lei de drogas (11.343/2006). Levado à Corte pela Defensoria Pública de São Paulo, o caso tem potencial de provocar um dos mais importantes avanços na atual política de drogas no Brasil: a descriminalização do uso de substâncias consideradas ilícitas.
A relatoria está sob responsabilidade de Gilmar Mendes. A expectativa é de que o ministro se mostre favorável à tese de que não é possível responsabilizar uma pessoa penalmente por conta uma escolha privada que somente lhe diz respeito.
Hoje, o porte de entorpecentes é crime, ainda que os usuários não sejam punidos com prisão. A diferenciação entre eles e os traficantes fica a cargo da polícia, que muitas vezes opera sob critérios tão subjetivos e discriminatórios quanto cor da pele e classe social.
“Hoje, a lei de drogas opera como um mecanismo de criminalização da pobreza, com impactos graves no sistema prisional”, afirma Rafael Custódio, coordenador do programa de Justiça da Conectas. “O primeiro e talvez principal impacto da descriminalização seria justamente a redução do encarceramento desse grupo mais vulnerável, que é o dos jovens negros e pobres das periferias”, completa.
Documento assinado pela organização e outras nove entidades para contribuir com o julgamento no STF é enfático ao caracterizar os efeitos nefastos da criminalização. Referindo-se à lei de 2006, afirma que “a decisão legislativa potencializou os efeitos estigmatizantes do Direito Penal, afinal, uma vez inseridos no sistema penal, tais usuários se afastam de eventual tratamento, sendo levados a uma espiral de sofrimento e criminalidade (geralmente patrimonial) diretamente conectada ao processo de marginalização”.
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Segundo dados de divulgados em junho pelo Ministério da Justiça, 27% da população carcerária responde por crimes relacionados ao tráfico de drogas. A impacto da atual política é ainda mais grave entre as mulheres: entre 2005 e 2013, o número de mulheres encarceradas por tráfico cresceu quase 290%.
Movimento global
“As autoridades precisam aceitar que décadas de proibicionismo não conseguiram controlar o uso de drogas e, ao contrário, aprofundaram a violência e a violação de direitos humanos em todo o mundo”, afirma Custódio. “Não por outro motivo, há mobilização internacional para repensar a chamada ‘guerra às drogas’, com a progressiva liberalização do uso em países como Espanha, Portugal, Argentina e Estados Unidos. O Brasil não pode ficar para trás nesse debate.”
No ano que vem, a Sessão Especial da Assembleia Geral da ONU (UNGASS, na sigla em inglês) vai discutir, pela primeira vez, a revisão da politica internacional de drogas. O mesmo movimento vem ocorrendo na OEA (Organização dos Estados Americanos), que no ano passado realizou uma audiência histórica sobre a falência do proibicionismo,
Amicus curiae
Em 2012, Conectas, Pastoral Carcerária, ITTC (Instituto Terra, Trabalho e Cidadania) e Instituto Sou da Paz enviaram ao Supremo um amicus curiae reforçando a tese da Defensoria Pública de São Paulo sobre a inconstitucionalidade do artigo 28 da lei de drogas. O amicus curiae é um mecanismo que permite a atores externos a um processo contribuir com a tomada de decisão dos ministros.
O documento, assim como o resumo do caso podem ser encontrados no STF em Foco – página da Conectas dedicada ao monitoramento do debate sobre direitos humanos no Supremo.