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19/08/2015

Julgamento histórico

Leia a íntegra da sustentação oral de Rafael Custódio no STF

Leia a íntegra da sustentação oral de Rafael Custódio no STF Leia a íntegra da sustentação oral de Rafael Custódio no STF

Representando a Conectas, o ITTC (Instituto Terra, Trabalho e Cidadania), a Pastoral Carcerária e o Instituto Sou da Paz, Rafael Custódio, coordenador de Justiça da Conectas, fez sustentação oral durante julgamento no STF de ação que julga a constitucionalidade do porte de drogas para consumo pessoal. As entidades são autoras de amicus curiae no processo – um documento que oferece aos ministros uma opinião técnica sobre o tema a ser apreciado.

Leia a íntegra do pronunciamento:

Excelentíssimo senhor Ministro Presidente, Ricardo Lewandovski

Excelentíssimo Senhor Ministro relator, Gilmar Mendes,

Excelentíssimos Ministros e Ministras

Excelentíssimo Procurador Geral da República,

Primeiramente, quero destacar o caráter histórico desse julgamento e, também, o impacto positivo no campo dos Direitos Humanos que a declaração de inconstitucionalidade do artigo 28 da Lei de Drogas pode ensejar.

Cabe lembrar, nesse sentido, que julgamentos recentes dessa Corte reafirmaram a importância do Supremo não só como intérprete da Constituição Federal mas também como importante ator político na reafirmação dos Direitos Humanos na sociedade brasileira, como nos casos das cotas étnico-raciais em universidades públicas e o reconhecimento da união estável homoafetiva.

E mais uma vez é disso que se trata o julgamento de hoje, vez que a política proibicionista/antidrogas é um política institucional de violações dos Direitos Humanos.

Nesse sentido, importa denunciar que a Lei 11.343 de 2006 é mais um exemplo normativo que reflete a ideologia, ao menos no campo penal, da chamada “guerra às drogas”.

Para ficarmos em apenas alguns exemplos dessa lógica belicista da atual legislação, para além das penas altíssimas previstas, basta relembrar que o Supremo Tribunal já declarou inconstitucionais dispositivos draconianos da lei, como a proibição da concessão de liberdade provisória e a substituição da pena de reclusão por restritivas de direitos.

De qualquer modo, o fato é que a declarada “guerra às drogas” é, na verdade, uma guerra contra as pessoas, e traz consigo, como elemento central, a necessidade da expansão ininterrupta do poder punitivo do Estado.

Pesquisas indicadas em nossa inicial e nos memorais entregues a Vossas Excelências comprovam que o alvo desse punitivismo antidrogas no Brasil tem um perfil claro: estão nas nossas cadeias os jovens, entre 18 e 29 anos, negros, com escolaridade até o primeiro grau completo e sem antecedentes criminais.

Além disso, essas mesmas pesquisas apontam que esse jovem é em geral preso sozinho, sem arma, com pouca quantidade de droga e sem que tenha havido qualquer atividade de inteligência policial para a sua prisão (são presos, via de regra, nas chamadas “rondas” das Polícias Militares).

Em outras palavras, Ministros e Ministras, é empiricamente comprovado que a lei antidrogas brasileira funciona, na prática, como um  instrumento de criminalização da pobreza.

Cabe relembrar que nos quase dez anos de vigência da Lei de 2006, o número de presos por tráfico no Brasil passou de cerca de 35 mil em 2005 para 145 mil em 2013, um aumento de quase 345%.

Hoje, cerca de 27% dos presos do país respondem a algum crime da Lei de Drogas, e eram cerca de 11%!

Quando se faz o recorte de gênero, percebe-se que, no mesmo período de 2005 a 2013, o número de mulheres presas por esses delitos aumentou em aproximadamente 290%.

Hoje, incríveis 63% das mulheres encarceradas no Brasil estão detidas por esses delitos, segundo o DEPEN, número proporcionalmente três vezes maior que o de homens detidos pelos mesmos crimes.

Essa lei, mais uma vez sob debate neste Tribunal, consubstanciou-se em um dos principais motores de nossa política de encarceramento em massa, que nos leva ao vergonhoso ranking de 4ª maior população carcerária do mundo.

Ministras e Ministros.

A suposta necessidade de tipificação do porte para uso de substâncias consideradas ilícitas parte de uma dupla abstração: 1) a busca por uma sociedade livre do consumo e 2) que o Direito Penal seria o instrumento para atingir esse fim.

Na busca por essa sociedade que consideramos fantasiosa, prende-se aos milhares os jovens, negros e pobres do país.

Nas palavras de Salo de Carvalho, “estes efeitos diretos do proibicionismo ganham efetiva relevância quando a assepsia dos números é transformada em biografia de pessoas de carne e osso que sofrem as consequências da política de drogas”.

Essas pessoas de “carne e osso” esperam que esse Supremo Tribunal Federal siga o fluxo da História, que hoje, envergonhada, finalmente caminha para a busca de outras políticas de drogas: menos violadoras, menos encarceradoras e menos seletivas.

Nesse sentido a descriminalização, ainda que judicialmente – como aliás ocorreu através da Suprema Corte Argentina em 2009 – é uma das medidas que certamente redundará em impacto significativo, e positivo, no sistema de justiça brasileiro.

Finalizando, a Conectas, a Pastoral Carcerária, o ITTC e o Sou da Paz, esperam que hoje Vossas Excelências caminhem no sentido de romper com a lógica belicista e seletiva da atual legislação antidrogas, e o primeiro passo para isso é o reconhecimento da inconstitucionalidade do artigo 28 da lei 11343 de 2006.

Obrigado.

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