Por Rafael Custódio, coordenador do Programa de Justiça da Conectas
Em 02 de outubro de 1992, dois presos, por motivos banais, começaram a brigar com outros reclusos no segundo andar do pavilhão 9, no complexo penitenciário do Carandiru. Diante do motim que se inicia, os agentes penitenciários optam por se retirar e o diretor do presídio chama a Polícia Militar, que chega com cerca de 350 homens de vários batalhões, além da tropa de choque e ROTA. Onze horas depois, um saldo de 111 mortos (oficialmente) e de aproximadamente 35 feridos entre os presos. Não houve casos de morte entre os policiais.
Desde aquele instante, já era público e notório que as mortes foram execuções sumárias dos detentos, assassinados depois de terem se rendido, e que presos feridos foram posteriormente mortos. As perícias comprovaram o massacre: o perito Osvaldo Negrini Neto, autor do laudo sobre o massacre, já revelou que havia rajadas de metralhadora a cerca de 50 centímetros do solo, o que indica que os presos foram mortos ajoelhados. Todas as marcas de bala eram de disparos numa só direção. Não havia marcas de disparos no sentido contrário, o que demonstra que não houve tiros contra os policiais.
As principais provas que teriam permitido identificar pessoalmente os responsáveis desapareceram.
Às famílias das vítimas foi oferecido o silêncio e a indiferença. O alto escalão do executivo estadual à época ficou imune, e seus representantes só chegaram perto dos bancos dos réus para serem ouvidos como “testemunhas”.
Pior é que as razões que levaram ao massacre perduram, no mesmo grau de complexidade e gravidade. O complexo penitenciário de Pinheiros, por exemplo, já tem a alcunha de “novo Carandiru”.
Depois de mais de duas décadas para se julgar (somente) o baixo escalão envolvido no massacre, é triste nos depararmos com talvez um dos maiores exemplos de como o sistema de justiça do país é falho ao proteger direitos, ao repará-los quando violados, e ao responsabilizar os seus violadores.
A Comissão Interamericana de Direitos Humanos recomendou ao Brasil, nos idos do ano 2000, que fosse realizada uma investigação “completa, imparcial e efetiva” para que fossem identificados e processados os agentes públicos que contribuíram, de qualquer modo, para o massacre. 22 anos depois, ao término do julgamento ainda em primeira instância, é no mínimo constrangedor bradarmos que a condenação de alguns dos policiais militares envolvidos na operação possa significar justiça.