O desembargador Maurício Fiorito, relator do caso sobre a regulação do uso da força pela polícia em protestos que tramita no TJ-SP (Tribunal de Justiça de São Paulo), pediu hoje (12/4) a prorrogação do julgamento. Ele afirmou que, diante dos pronunciamentos feitos por representantes da Defensoria Pública, da Artigo 19 e da Conectas Direitos Humanos durante a sessão, precisaria “refletir mais sobre o processo”. “As sustentações orais foram tão bem realizadas que me sinto na obrigação de melhorar o meu voto”, afirmou.
O relator também pediu que a petição pública organizada pela rede Minha Sampa e entregue aos desembargadores pela Defensoria fosse digitalizada e anexada ao processo. A campanha reuniu mais de 12 mil assinaturas em apenas cinco dias.
Fioreto integra a 3a Câmara de Direito Público do TJ-SP (Tribunal de Justiça de São Paulo) ao lado dos desembargadores Camargo Pereira e Antonio Carlos Malheiros. Eles devem decidir se mantêm ou não a suspensão de uma liminar de primeira instância que restringe o uso de armas menos letais pela polícia militar em protestos e que obriga a corporação a elaborar uma norma para o uso da força nessas situações.
A ação foi apresentada em 2014 pela Defensoria Pública paulista com base nos abusos cometidos pela PM durante as jornadas de junho de 2013. Em outubro do mesmo ano, o juiz Valentino Aparecido de Andrade, da 10a Vara da Fazenda Pública, concedeu o pedido de liminar – cassada poucos dias depois pelo desembargador Ronaldo Andrade.
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Durante o processo, as organizações Conectas Direitos Humanos e Artigo 19 foram admitidas como amicus curiae – instrumento jurídico que permite a apresentação de opiniões independentes sobre o caso em análise.
Pronunciamentos
A primeira apresentar argumentos aos desembargadores foi Mirna Cianci, Procuradora da Fazenda Pública de São Paulo e autora do recurso que suspendeu a liminar de primeira instância. Sem se aprofundar no tema da regulação do uso da força pela polícia, Cianci afirmou que “não há direito absoluto” e que manifestações sem prévio aviso podem colocar em risco a vida de pessoas que, por exemplo, tenham de acessar hospitais. Ao final de sua fala, pediu que os desembargadores mantenham a suspensão da liminar.
Cianci foi sucedida por Daniela Skromov, coordenadora do Núcleo Especializado de Cidadania e Direitos Humanos da Defensoria Pública. Skromov começou sua fala reiterando o aspecto “histórico” e “inédito” do julgamento e enfatizou que a violência policial não é fruto de excessos pontuais, mas da falta de um “protocolo humanista, racional e adequado à Constituição”.
Isso explicaria, afirmou, a atuação discricionária da PM em manifestações com pautas diferentes: “ora ela age cegando jornalistas, ora faz com que o próprio secretario de segurança em pessoa vá até a Avenida Paulista conversar com 26 pessoas que impediam o trânsito a dezenas de horas”, em referência ao protesto em favor do impeachment da presidente Dilma Rousseff que fechou a via por 38 horas no mês de março.
Skromov concluiu afirmando que a “segurança pública não é carta branca para uma política de tiro, porrada e bomba” e que um protocolo para o uso da força beneficiaria as tropas, os cidadãos e o próprio judiciário no controle da legalidade das manifestações.
Após a fala da defensora, os desembargadores ouviram a advogada Camila Marques, da Artigo 19, e o advogado Rafael Custódio, coordenador do programa de Justiça da Conectas.
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A representante da Artigo 19 apoiou seus argumentos em mais de 1,5 mil protestos analisados pela entidade e afirmou que a violência policial não é pontual, mas “sistemática” e “persistente”. “Relatório lançado pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos no mês passado observou que a polícia vem agindo de forma incompatível com os padrões internacionais e afirma que o uso da força deve sempre satisfazer os princípios da legalidade, com absoluta responsabilidade”, afirmou.
Marques fez menção, ainda, aos casos do jornalista Sérgio Silva, que perdeu a visão de um olho por conta de um disparo com bala de borracha, e dos estudantes secundaristas, que na semana passada denunciaram abusos da polícia militar à CIDH (Comissão Interamericana de Direitos Humanos da OEA). “Violações em manifestações continuam acontecendo e por isso é muito importante e necessário que hoje, diante da omissão do Estado de São Paulo, o Tribunal de Justiça assuma esse compromisso”, completou.
Rafael Custódio, por sua vez, rebateu a procuradora do Estado afirmando que é falsa a dicotomia entre o direito à reunião e a manutenção da ordem pública e mencionou duas normas da ONU que regulam o uso da força pelas polícias, o Código de Conduta para Funcionários Responsáveis pela Aplicação da Lei, de 1979, e os Princípios Básicos sobre o Uso da Força e Armas de Fogo pelos Funcionários Responsáveis pela Aplicação da Lei, de 1990.
“É importante nos reportarmos a esses dois marcos legais para quebrar a ideia muito difundida de que estaríamos diante de um obstáculo ao uso legítimo da força quando, na verdade, o que se discute é em que termos ele deve se dar quando falamos em manifestações”, afirmou.
Antes de pedir o voto do relator do caso, o presidente Antonio Carlos Malheiros passou a palavra para Cristina Caboclo, procuradora de Justiça do Ministério Público de São Paulo. Ela elogiou a iniciativa da Defensoria Pública e pediu a manutenção da decisão liminar de primeira instância, que qualificou como “bastante razoável”.
Após a manifestação da representante do MP, o desembargador Maurício Fiorito afirmou que, diante de todos os argumentos, reformaria seu voto. Não há prazo para a retomada do julgamento.
Cronologia
5/8/13 – Conectas e o Núcleo Especializado de Cidadania e Direitos Humanos da Defensoria entregam à SSP (Secretaria de Segurança Pública) de São Paulo um conjunto de recomendações para a atuação da polícia em manifestações. Não houve resposta.
22/4/14 – Defensoria Pública de São Paulo move ação civil pública pedindo que o Judiciário obrigue o estado de São Paulo a adotar essas recomendações. A ação tramita na 10ª Vara da Fazenda Pública.
17/7/14 – Conectas apresenta através de amicus curiae um panorama dos principais parâmetros internacionais que regulam o comportamento da polícia e alega que o Estado de São Paulo descumpre disposições da Declaração Universal de Direitos Humanos (ONU) e da Convenção Americana sobre Direitos Humanos (OEA).
24/10/14 – O juiz Valentino Aparecido de Andrade, da 10ª Vara da Fazenda Pública, concede decisão liminar.
5/11/14 – Respondendo a pedido da Fazenda Pública, desembargador Ronaldo Andrade suspende a decisão liminar.
13/1/15 – A Artigo 19 apresenta amicus curiae apoiando o pedido inicial da Defensoria Pública.
12/4/16 – Desembargador Maurício Fiorito, relator do caso, pede prorrogação do julgamento.