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17/01/2013

Itamaraty nega acesso a telegramas sobre direitos humanos

Ministério se nega a divulgar dados de negociações na OEA. ONG Conectas deverá ingressar na Justiça para ter acesso a telegramas trocados entre diplomatas brasileiros



Diante da sequência de respostas negativas recebidas do Itamaraty, em todas as instâncias, ao pedido de acesso a telegramas trocados entre diplomatas brasileiros sobre negociações envolvendo o Sistema Interamericano de Direitos Humanos, Conectas estuda agora recorrer ao último passo possível para garantir o direito público de conhecer estas informações, que é a via judicial.

Em 16 de maio de 2012, data em que entrou em vigor a Lei de Acesso à Informação (Lei nº 12.527/2011), a organização pediu acesso a telegramas do Itamaraty relacionados à (OEA) Organização dos Estados Americanos. Com o pedido, Conectas esperava saber como Brasília havia orientado seus diplomatas no processo de fortalecimento do Sistema Interamericano de Direitos Humanos da OEA – cuja Comissão e a Corte são responsáveis por adotar medidas que protejam os cidadãos contra violações de direitos humanos cometidas por seus Estados membros.

A abertura destes telegramas revelaria se o Brasil trabalhou para fortalecer ou enfraquecer o Sistema, num contexto de tensão, onde o País havia suspendido seus aportes financeiros ao órgão, além de ter retirado, na época, a candidatura do ex-ministro de direitos humanos, Paulo Vannuchi, para a Comissão e ter chamado de volta à Brasília seu embaixador para a OEA. Todas estas medidas foram tomadas logo após a Comissão Interamericana ter emitido decisão contrária aos interesses de Brasília no caso da construção da Usina de Belo Monte.

Em tese, os documentos poderiam dirimir qualquer dúvida. Mas dos 98 telegramas relativos ao tema, o Itamarty negou acesso a 96. Conectas recorreu, então, até esgotar todas as instâncias de apelação, incluindo a última, que é a Comissão Mista – criada com atraso.

“Não estamos satisfeitos com a reposta do Itamaraty. Não é possível que a política externa brasileira, especialmente na área de direitos humanos, continue sendo definida sem esforços mais contundentes de transparência e fomento à participação da sociedade civil”, disse Lucia Nader, diretora executiva da Conectas. “A alegação de que a abertura destes telegramas viola temas de interesse nacional ou de segurança, o que resvala em outros Estados, não é suficiente, é muito frágil e altamente questionável.”


+ Contexto:

Com base na Lei de Acesso à Informação, Conectas pede acesso a telegramas do Itamaraty relacionados à OEA. Organização quer saber como Brasília orientou seus diplomatas no processo de fortalecimento do Sistema Interamericano de Direitos Humanos.

O governo enviou, no dia 18 de junho, resposta ao pedido inicial da Conectas juntamente com dois telegramas dos 98 liberados para acesso público até agora. Considerando a resposta insatisfatória, em 28 de junho Conectas entrou com recurso junto ao Itamaraty (veja o documento). A resposta do Itamaraty a esse recurso, recebida no dia 05 de julho, encontra-se aqui.

Novamente, após avaliação de que a nova resposta ao recurso também era insatisfatória, Conectas entrou, no dia 16 de julho, com recurso na Controladoria Geral da União (CGU), entidade definida como responsável pela Lei para avaliar o caso. Conjuntamente ao acesso à informação, Conectas solicitou a desclassificação dos telegramas sobre o processo de fortalecimento em recurso endereçado ao Ministro das Relações Exteriores, no dia 06 de agosto.

O recurso originalmente interposto ante a CGU foi encaminhado para o MRE, que respondeu conjuntamente, no dia 16 de agosto, tanto ao pedido de desclassificação quanto ao pedido de acesso (leia a resposta). A lista fornecida pelo MRE onde constam informações básicas sobre a classificação dos telegramas pode ser lida aqui.

No dia 27 de agosto, seguindo os trâmites da Lei, Conectas recorreu novamente à CGU sobre a negativa de acesso (veja o documento) e à Comissão Mista (por meio de sua secretaria executiva, a Casa Civil da Presidência da República) sobre a negativa de desclassificação (leia aqui).

O recurso dirigido à CGU foi encaminhado à Comissão Mista, que ordenou, em 25 de janeiro de 2013, a reclassificação ou desclassificação dos documentos ao término das razões que motivaram a classificação (veja a decisão aqui). Assim, em aplicação desta decisão, o MRE deve acabar com o sigilo dos documentos requeridos uma vez finalizada a Assembleia Extraordinária da OEA que está planejada para 22 de março.

Conectas registrou passo a passo cada momento do trâmite deste pedido e produziu uma tabela detalhada com cada pedido e sua respectiva resposta.


+ Imprensa

No dia 17 de janeiro, o repórter do jornal O Globo Thiago Herdy publicou reportagem sobre o pedido da Conectas e as sucessivas negativas do Itamaraty, aumentando a visibilidade de um tema que não deve estar restrito a organizações especializadas em política externa e o governo.

Neste mesmo dia, o Itamaraty publicou um “aviso às redações”, ressaltando os pontos positivos de sua política em relação à Lei de Acesso à Informação e dizendo que apenas 7% dos documentos são classificados – sem explicar, entretanto, os critérios para a classificação e sem dizer porque temas de direitos humanos deveriam ser protegidos por sigilo, como no caso do pedido da Conectas. Até as 19h21 do dia 17, a nota sequer estava disponível no site do Itamaraty para acesso público.

O GLOBO

THIAGO HERDY
Publicado:
17/01/13 – 8h00
Atualizado:
17/01/13 – 8h00

SÃO PAULO — A negativa do Itamaraty de dar acesso a telegramas trocados entre diplomatas deve chegar à Justiça. Há quase um ano, logo após a entrada em vigor da Lei de Acesso à Informação, a ONG Conectas pediu acesso às comunicações trocadas pelo governo com a Missão Permanente do Brasil junto à Organização dos Estados Americanos (OEA) tratando das posições assumidas no processo de negociação para fortalecer o Sistema Interamericano de Direitos Humanos. Para a ONG, o discurso oficial do governo em defesa do fortalecimento do sistema não se concretizava na prática, e os telegramas serviriam para compreender melhor a verdadeira posição do governo.

O Itamaraty chegou a fornecer uma listagem de 98 telegramas que trataram do tema, mas classificou 96 deles como reservados, sob a justificativa de que era preciso “evitar pôr em risco a posição negociadora brasileira sobre o tema”. Em uma das respostas, o órgão explicitou considerar a atividade diplomática sigilosa por natureza. Não foi atendido nem mesmo o pedido para que os dados fossem fornecidos com o uso de tarjas sobre informações que expusessem o posicionamento de outros países.

A requisição já tramitou nas quatro instâncias de recurso previstas pela lei — inclusive no âmbito da Controladoria Geral da União e da recém-instalada Comissão Mista de Reavaliação de Informações. Por isso, a Conectas deverá ingressar na Justiça com ação solicitando acesso aos telegramas.

— É como se o Itamaraty não estivesse submetido à Lei de Acesso. Com a justificativa de não fornecer documentos de negociações que estão em curso ou que envolvam outros Estados, vai ser sempre difícil obter informações. Eles não conseguiram mostrar por que estaria em risco a segurança da sociedade ou do Estado — disse a advogada do Conectas, Flávia Annemberg.

Segundo o artigo 23 da Lei de Acesso, “são consideradas imprescindíveis à segurança” informações cuja divulgação possa “prejudicar ou pôr em risco a condução de negociações ou as relações internacionais do país, ou as que tenham sido fornecidas em caráter sigiloso por outros Estados e organismos internacionais”.

O Itamaraty sustenta que a divulgação dos bastidores do posicionamento do Brasil na discussão na OEA traria prejuízo às negociações, algo que a própria lei consideraria uma ameaça à segurança da sociedade ou do Estado. Especialistas ouvidos pelo GLOBO, no entanto, avaliam que o princípio da publicidade deveria prevalecer no pedido feito pela ONG.

— Em princípio, trata-se de um pedido relacionado à temática de direitos humanos na OEA, não estamos falando do Conselho de Segurança da ONU. Passamos por um momento de transição no Brasil, a ideia de publicização de assuntos diplomáticos é uma novidade, pois os assuntos do Itamaraty sempre foram guardados a sete chaves. A sociedade tem o direito de saber o posicionamento do país em uma negociação — defende Reginaldo Nasser, do departamento de Relações Internacionais da PUC-SP.

Para a professora Deisy Ventura, do Instituto de Relações Internacionais da USP, é preciso superar a “visão anacrônica de política externa”:

— Seria preciso identificar neste caso o que põe em risco a negociação (na OEA). Isso não pode ser dito na forma de uma justificativa genérica, tem que se explicar por que um debate sobre a reforma institucional de um organismo deveria ser tratado como algo sigiloso.

Leia a matéria original, no site do jornal O Globo, clicando aqui.


Leia

Artigo da Conectas no jornal O Estado de S. Paulo

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