Em carta ao procurador-geral da República, Rodrigo Janot, Conectas, Justiça Global e Sociedade Maranhense de Direitos Humanos cobraram a federalização das violações de direitos humanos cometidas no complexo penitenciário de Pedrinhas, no Maranhão. Relatório sobre o presídio publicado em dezembro pelo Conselho Nacional de Justiça documentou 60 mortes de detentos, casos de tortura e de violência sexual contra familiares em dias de visita. A crise, provocada principalmente pela superlotação e pela disputa entre facções, já havia sido exposta em outubro em documento produzido pelo Ministério Público do Maranhão em conjunto com a Defensoria Pública da União.
“Acreditamos que a federalização possibilitará uma investigação mais célere e independente, em respeito às leis que regem o Estado Democrático de Direito brasileiro e aos tratados internacionais de direitos humanos dos quais o País é parte”, diz o documento enviado à PGU.
As organizações também demandaram uma intervenção federal e recordaram que, desde a ocupação do presídio pela Polícia Militar, ordenada pelo governo estadual há duas semanas, informações sobre a situação dos presos são escassas.
“É fundamental que os crimes sejam apurados de maneira célere para que possamos conhecer a real responsabilidade do Estado na crise”, afirmou Joisiane Gamba, advogada da Sociedade Maranhense de Direitos Humanos.
Na segunda-feira, 6/1, a governadora Roseana Sarney respondeu ao pedido de informações feito pela PGU em dezembro e aceitou o pedido de ajuda feito pelo Ministério da Justiça, que ofereceu 25 vagas em presídios federais para integrantes de facções que atuam em Pedrinhas. Em entrevista publicada pelo jornal O Estado de Maranhão no domingo (5/1), Sarney culpou o Judiciário pelo alto índice de presos provisórios no Estado. O Judiciário, por sua vez, culpa o Executivo e a falta de vagas.
Problema nacional
Enquanto as responsabilidades são jogadas de um lado a outro, a crise persiste no Maranhão. Nos primeiros dias de 2014 foram registrados mais 2 assassinatos em Pedrinhas. O caso exacerba as históricas violações de direitos humanos cometidas em todo o sistema prisional brasileiro e prova que, enquanto perdurarem as ineficientes políticas de encarceramento em massa, seremos todos cúmplices da violência cometida contra a maioria pobre e negra que lota os presídios do País.
“A tragédia em Pedrinhas era anunciada e pode se repetir, a qualquer momento, em outros complexos que padecem dos mesmos problemas”, diz Lucia Nader, diretora Executiva da Conectas. É o caso do Presídio Central de Porto Alegre, que acaba de ser alvo de nova medida cautelar da Comissão Interamericana de Direitos Humanos da OEA. Lá, 4,5 mil presos dividem espaço projetado para abrigar apenas 2 mil.
“A situação dos presídios brasileiros é denunciada há anos pela sociedade civil sem que medidas concretas sejam tomadas para reverter a situação. Ao contrário: as taxas de encarceramento apenas crescem, aprofundando e ampliando as violações”, completa Sandra Carvalho, diretora da Justiça Global.
O número de pessoas atrás das grades saltou 380% nos últimos 20 anos. Hoje, o País tem a quarta maior população carcerária do mundo, perdendo apenas para Estados Unidos, China e Rússia. Cerca de 43% dos 550 mil presos brasileiros não têm condenação definitiva e o déficit de vagas no sistema chega a 207 mil.
O que diz a lei
O pedido feito pelas ONGs à PGU se apoia no artigo 109 da Constituição Federal, incluído pela emenda 45 de 2004. Ele afirma que ao judiciário federal compete processar e julgar os casos de violações de direitos humanos previstos em tratados ou convenções internacionais.
O parágrafo 5o completa: “Nas hipóteses de grave violação de direitos humanos, o Procurador-Geral da República, com a finalidade de assegurar o cumprimento de obrigações decorrentes de tratados internacionais de direitos humanos dos quais o Brasil seja parte, poderá suscitar, perante o Superior Tribunal de Justiça, em qualquer fase do inquérito ou processo, incidente de deslocamento de competência para a Justiça Federal.”
“A Constituição federal, em seu artigo 34, também garante à União o direito de intervir em nos estados em casos de grave comprometimento da ordem pública e para assegurar a observância dos direitos da pessoa humana. Para que a intervenção federal ocorra, nesses casos, o Procurador Geral da República deve apresentar ao Supremo Tribunal Federal uma ação direta de inconstitucionalidade interventiva. Caso seja aprovada, cabe à Presidência da República expedir o decreto interventivo – documento que especifica a amplitude, os prazos, as condições de execução e, eventualmente, nomeia um interventor.