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24/11/2014

Indonésia: Um recomeço

Violações do presente e do passado desafiam novo presidente

A man casts his vote for Indonesia’s next president at a polling booth in Cilincing, North Jakarta on July 8, 2009.  Photo by Josh Estey.  Contact photolibrary@ausaid.gov.au to request a high resolution original. A man casts his vote for Indonesia’s next president at a polling booth in Cilincing, North Jakarta on July 8, 2009. Photo by Josh Estey. Contact photolibrary@ausaid.gov.au to request a high resolution original.

Chove na capital indonésia de Jacarta. Em frente ao palácio de Merdeka, sede da presidência, um grupo de ativistas de direitos humanos, camisetas pretas e guarda-chuvas na mão, repete ritual que há sete anos escancara a dificuldade da maior democracia muçulmana do mundo de se reconciliar com seu passado de violações. Em silêncio e em pé, todas às quintas-feiras das 16h às 17h, eles protestam em solidariedade com vítimas de violações de direitos humanos de ontem e de hoje.

A crítica silenciosa do grupo contrasta com a imagem de pujança e transformação que o país exporta, especialmente depois da vitória de Joko ‘Jokowi’ Widodo nas eleições presidenciais de julho. Ex-vendedor de móveis, o novo presidente é o primeiro sem vínculos com a tradicional elite política e militar e tem como desafio conciliar demandas por mudança e crescimento econômico com a necessidade de formar alianças com as forças do passado.

Para Haris Azhar, coordenador da ONG KontraS (Comissão para Desaparecidos e Vítimas da Violência na sigla no idioma nacional, Bahasa Indonésia), o fim da ditadura propiciou importantes avanços no sistema de proteção aos direitos humanos apenas do ponto de vista formal e institucional. “Muitas vítimas de violações tentaram utilizar as leis e instituições de direitos humanos”, afirma em artigo publicado na última edição da Revista Sur. “Infelizmente, os esforços das vítimas foram mal sucedidos em conseguir que os órgãos públicos dessem início a processos para a proteção dos direitos humanos.”

“O atual governo não tem o mesmo controle sobre a sociedade que o regime militar, quando tantas violações foram cometidas e a privação de direitos era sistemática”, explica o ativista.

“Agora, ao contrário, as violações ocorrem menos como uma política dirigida pelo governo central, e mais por conta de uma mentalidade geralmente corrupta, abusiva e violenta entre as autoridades públicas ou militares – algo que pode ser atribuído à fraqueza ou falta de vontade do governo de defender os direitos humanos.”

Dores do crescimento

Nos últimos 8 anos, segundo o Banco Mundial, o PIB (Produto Interno Bruto) da Indonésia cresceu 6,6%. O percentual da população vivendo na pobreza, por outro lado, baixou de 17% para 11,4% entre 2006 e 2013. O desemprego também despencou de 11,3% em 2005 para 6,6% em 2012. Os números mostram um país com importância estratégica no grupo de nações emergentes e que lida com contradições internas.

“Abusos impunes e fraqueza governamental não chamam a atenção internacional. Inclusive, no caso da Indonésia, depois de 16 anos de transição política, algumas entidades internacionais estão olhando para o governo como ator fundamental na mediação com outros países em ‘pior situação’, como é o caso da Birmânia (Mianmar)”, explica Azhar. “Eles parecem esquecer que milhões de vítimas e sobreviventes ainda não foram indenizados. No caso da Indonésia, está muito claro que os direitos das pessoas ainda são ignorados e negligenciados, internamente e internacionalmente”, acrescenta Azhar em seu artigo.

Outra crítica é o papel secundário reservado às questões políticas nas prioridades internacionais do país neste novo ciclo. No plano estratégico para o período de 2005 a 2025, o governo central optou por reforçar vínculos e acordos econômicos, deixando de lado o possível protagonismo do país como mediador em crises de direitos humanos em locais onde especialistas apontam que poderia ter uma atuação positiva, como é o caso da Síria, da Coréia do Norte e dos territórios palestinos.

“Ainda que tenha de lidar com uma série de desafios internos, a Indonésia, por ser a maior democracia muçulmana, tem total capacidade para atuar como interlocutor de peso na Ásia e no mundo árabe”, afirma Laura Waisbich, assessora de Política Externa da Conectas. “Suas contradições internas não podem servir de desculpa para um imobilismo internacional diante de graves violações.”

Os monumentais desafios do país têm despertado a sociedade indonésia para a necessidade de construir alternativas. Os esforços têm dado alguns frutos. Além da recém criada Comissão Anti-Corrupção, entidades civis querem a instituição de uma espécie de ‘ficha-limpa dos direitos humanos’ para evitar a presença de violadores na administração pública. Este é um debate relevante, pois o novo gabinete ainda conta com figuras controversas, como o novo Ministro da Defesa, apontado como responsável por violações na província de Aceh (conhecida por aplicar a lei islâmica e ser foco de tensões étnico-religiosas).

Entidades também chamam atenção para a necessidade de ampliação do diálogo com as diferentes instâncias e esferas de poder. Elas dizem que sem uma efetiva participação social será difícil enfrentar questões como a garantia da liberdade religiosa e apaziguamento de tensões no país, o combate à descriminação de trabalhadores migrantes indonésios na Península Arábica e no Golfo Pérsico, o acolhimento de refugiados que chegam ao país vindos do Oriente Médio e da África oriental, o combate à violações cometidas por empresas, sobretudo em zonas rurais, e a resolução do conflito na província de Papua Ocidental.

Esses e outros temas prioritários para o movimento local de direitos humanos, assim como as estratégias para incidir no complexo cenário político do país, estiveram em debate durante a Oficina sobre Política Externa e Direitos Humanos, organizada pela Conectas conjuntamente com a organização local KontraS, bem como no lançamento da 20ª edição da Revista SUR em Bandung.

O seminário público, realizado na Universidade Católica de Parahyangan no dia 30/10, reuniu ativistas, acadêmicos e autoridades indonésias para aumentar a visibilidade e o conhecimento sobre esses desafios e capacitar organizações de direitos humanos no diálogo com os poderes públicos.

A revista

A Sur – Revista Internacional de Direitos Humanos é editada e publicada pela Conectas em três idiomas e com distribuição para mais de cem países.

Sua última edição comemora os 10 anos do projeto e traz 55 artigos e entrevista com análises sobre o movimento de direitos humanos no chamado Sul Global.

Todo o conteúdo pode ser acessado no site da revista e na versão impressa, que circula a partir de dezembro. Todas as 19 edições anteriores estão disponíveis online.

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