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15/10/2013

Incoerências e contradições em direitos humanos

Como os Estados equilibram o discurso para consumo externo e as ações que violam direitos dentro de suas próprias fronteiras?



A aparente contradição de países que violam direitos humanos dentro de suas fronteiras e, ao mesmo tempo, denunciam violações cometidas em outros países, foi um dos temas debatidos na mesa “Incoerências” na terça-feira, durante o XIII Colóquio Internacional de Direitos Humanos, da Conectas. O encontro reúne mais de 100 ativistas de direitos humanos de 40 países, na PUC de São Paulo, até esta sexta-feira.

Brasil

Rogério Sottilli, secretário municipal de Direitos Humanos de São Paulo; Camila Asano, da Conectas Direitos Humanos; Leili Kashani, do Center for Constitutional Rights (EUA) e Gastón Chillier, do Centro de Estudios Legales Y Sociales (CELS-Argentina) foram os especialistas convidados para expor suas experiências. David Petrasek, da Universidade de Ottawa e Xiaorong Li, acadêmica chinesa e ativista de direitos humanos, participaram com vídeos do debate.

“O Brasil se fundou na violação de direitos humanos. Temos como histórico o genocídio indígena, um processo de escravidão e duas ditaduras” disse Sottili. “Os avanços são claros, mas não se muda uma cultura em dez anos.”

Além da perspectiva histórica, os conflitos internos entre municípios e disparidades econômicas regionais – reforçados pelo pacto federativo que garante a autonomia dos municípios – também são desafio que tornam o quadro mais complexo. Especialistas destacaram, assim, a importância de se garantir a isonomia e a igualdade na conquistas desses direitos mesmo internamente.

“No Conselho de Direitos Humanos da ONU, em Genebra, mostramos, por exemplo, a terrível situação do sistema prisional do Espírito Santo, onde pessoas eram mantidas presas em contêineres debaixo do sol, nos chamados micro ondas”, disse Camila, da Conectas. “Muitos não acreditaram que isso acontecia no Brasil”, continua. “A superação dessas incoerências se faz necessária para qualquer nação que almeja liderança internacional.”

Crescimento econômico e direitos humanos

“Em tempos de crise, muitas vezes há cortes em áreas fundamentais para a dignidade humana, como se o investimento fosse um gasto”, criticou Sottili.  O secretário citou, como defesa e exemplo, as crescentes conquistas brasileiras com programas de transferência de renda – que aqueceram o mercado interno em tempos de crises internacionais. “A tese do estado mínimo indica que o bem-estar social é um vilão”, disse. “Mas direito humano é um investimento”.

Não foram deixadas de lado as manifestações deflagradas pelo mundo inteiro nos últimos anos, como a primavera árabe, as manifestações de junho desse ano no Brasil, o levante espanhol e de outros países europeus. “O diálogo com o povo e com os movimentos sociais são a garantia de ações mais transparentes e de legitimação política”, defendeu o argentino Chillier do CELS.

O argentino apresentou ainda um relatório chamado “Tomem as ruas de volta”, sobre a criminalização dos movimentos sociais e a repressão às manifestações no mundo. O estudo analisa 10 casos emblemáticos.

Ele ressalvou, entretanto, que as ONGs de direitos humano não devem ceder à tentação de pensar que as manifestações de rua tenham ser encabeçadas ou mesmo possam sentir que as estas organizações tradicionais, “donas” do discurso tradicional,  são indispensáveis. “O que é preciso é construir as pontes. E isso é ação política”, concluiu.

Guantánamo

A iraniana Leili Kashani, do Center for Constitutional Rights (EUA), expôs as inconsistências presentes nos Estados Unidos, a maior economia do mundo. A prisão de Guantánamo foi apresentada como a principal lacuna e incongruência sobre o que o país defende externamente e o que aplica domesticamente. “Aprisão de Guantánamo foi criada e desenhada para estar longe da lei.”, diz. “Não podemos achar que Obama vai cuidar disso sozinho”, argumenta. “É importante também o papel do Brasil para  pressionar os Estados Unidos”.

Leili mostrou pinturas e desenhos feitas por vários prisioneiros de Guantánamo. Ela também mostrou fotos dos jovens presos injustamente na ilha, contou suas histórias e falou de suas famílias para mostrar como a construção midiática e política em torno de muitos dos prisioneiros difere da realidade.

Saídas
Como um compêndio e resumo de estratégias de superação dessas tensões, Camila Asano, da Conectas, citou três pontos e ações que podem ajudar os Estados a começar a ultrapassar esse conflito. 1) Liderar pelo exemplo, resolvendo os conflitos internos 2) Monitorar e se posicionar diante questões internacionais, como a Síria, construindo alternativas aos dilemas extremos sobre uso da força. 3) Pautar políticas públicas pela lógica da transparência e da participação pública.

Veja os vídeos apresentados durante a mesa:

David Petrasek
Professor na Universidade de Ottawa, Petrasek trabalhou extensivamente sobre os direitos humanos, questões humanitárias e de resolução de conflitos. No passado, atuou em diversas agências da ONU e em ONGs, tais como a Anistia Internacional.

Xiaorong Li
Ativista de direitos humanos e acadêmica. Escreve sobre direitos humanos e democratização na China, justiça de transição, relativismo cultural e direitos das mulheres.

Veja mais fotos do XIII Colóquio Internacional de Direitos Humamos aqui.

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