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27/02/2016

Higiene, alimentação e saúde

Terceiro capítulo | Violação continuada :: Dois anos da crise em Pedrinhas



A partir de entrevistas feitas com dezenas de presos durantes as inspeções realizadas nestes dois anos, as organizações concluíram que os motivos que revoltam e geram rebeliões entre os internos extrapolam a violência da disputa entre as facções.

“Os próprios presos costumam chamar as rebeliões de reivindicações. Na grande maioria das vezes, eles só estão pedindo para não ter que comer marmita estragada, não ter que beber água suja e poder dormir sem contato com ratos e baratas. Não é uma questão de demonstração de poder, mas um pedido de respeito à dignidade humana”, aponta Luís Antônio Pedrosa, presidente da Comissão de Direitos Humanos da OAB-MA.

A mistura de insalubridade, péssimas condições de higiene e o consumo de alimentos estragados leva grande parte dos presos a adoecer, além de gerar um clima de revolta permanente entre os detentos.

“A gente sabe que está aqui porque estamos pagando pelos nossos erros, mas também somos seres humanos e estamos sendo tratados como ‘feras selvagens’”, diz um dos detentos do CCPJ (Centro de Custódia de Presos de Justiça). “Avise a eles [diretores do presídio] que se nossa situação não melhorar, a gente vai fazer greve de fome”, ameaça outro.

Segundo Pedrosa, na última rebelião ocorrida no CDP (Casa de Detenção Provisória), no início de novembro de 2015, entre os itens reivindicados estavam a melhoria das condições para o cumprimento das penas, a melhoria da higiene nos espaços destinados às visitas íntimas e a permissão para receberem alimentos de seus familiares – uma alternativa à comida oferecida pela Masam, empresa terceirizada que abastece todas as unidades do complexo.

“A comida já chega aqui azeda. Não consigo suportar nem o cheiro dessa comida, imagina comê-la”, afirma um interno do CDP. “Está todo mundo aqui morrendo de fome e desnutrido”, conclui.

Queixas como esta são ouvidas em todas as celas de todas as unidades visitadas. A qualidade da comida e a falta de um horário definido de entrega são as maiores reclamações dos presos. As lixeiras na frente das celas ficam lotadas de quentinhas semicheias no horário do almoço. Muitas vezes, os detentos preferem a fome. O odor azedo da comida misturado ao cheiro de mofo, esgoto e falta de banho dos detentos tornam o ambiente irrespirável.

O local parece propício apenas para os ratos e baratas, que se multiplicam nas paredes e corredores. A presença dos bichos é tamanha e tão incômoda que os presos colocam chinelos entre as grades da cela para tentar, sem sucesso, bloquear sua entrada.

Em todas as unidades visitadas foi constatado que os presos recebem apenas um uniforme – duas camisas, uma bermuda, uma calça e um chinelo – para ser usado durante meses. Muitas vezes as camisas servem como pano de chão para conter a água que invade o interior das celas. Sem sabonetes, os detentos tomam banho com o sabão em pó ou em pedra recebidos durante o fornecimento de produtos de limpeza.

De acordo com relatório do Mecanismo Nacional de Combate e Prevenção à Tortura, cada kit de higiene, composto por tubo de pasta de dente, barbeador, desodorante e sabão, custa R$ 13,17 para o Estado.

Entregue a cada quatro meses, segundo os detentos, o material é insuficiente para atender as necessidades dos presos. Também não há permissão para que os familiares forneçam produtos de higiene.

As condições vivenciadas em Pedrinhas em nada dialogam com os itens 1 e 18 das “Regras de Mandela”. Respectivamente, eles apontam que “todos os presos serão tratados com o respeito que merece sua dignidade e valor intrínsecos enquanto seres humanos” e que “se exigirá dos presos asseio pessoal e, a tal efeito, se lhes facilitará água e artigos de asseio indispensáveis para sua saúde e higiene”; “A fim de que os presos possam manter um aspecto decoroso que lhes permita conservar o respeito de si mesmos, se lhes facilitarão meios para o cuidado do cabelo e da barba e para que possam barbear-se com regularidade”.

“A comida aqui já chega azeda. Não consigo suportar nem o cheiro dessa comida, imagina comer”. Detento do Centro de Detenção Provisória

A própria LEP brasileira aponta, em seu artigo 12, que “a assistência material ao preso e ao internado consistirá no fornecimento de alimentação, vestuário e instalações higiênicas”.

“De todos que chegaram aqui, não teve um que não adoeceu. Não tem condições de ficarmos aqui.” A afirmação de um dos 19 detentos que disputam o minúsculo espaço de uma das celas da Casa de Detenção endossa conclusão do CNJ. Após realizar um mutirão carcerário, ocasião em que fez visitas a unidades de Pedrinhas em abril de 2011, o CNJ elencou, entre uma de suas 41 recomendações, a interdição da Casa de Detenção, do Centro de Detenção Provisória e da Central de Custódia de Presos de Justiça.

O extenso relatório do CNJ destaca, em texto e fotos, as péssimas condições dos presídios que compõem o Complexo Penitenciário de Pedrinhas. Para o colegiado, os ambientes sujos não propiciam condições dignas para o cumprimento da pena.

Dois anos antes, o relatório final da CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) do Sistema Carcerário da Câmara dos Deputados também já apontava para o desgaste e inadequação das estruturas dos prédios de Pedrinhas. “As paredes são sujas, os corredores escuros e há lixo em abundância”, afirmam em um dos trechos. “Doentes presos com HIV e tuberculose em celas coletivas revelam ausência de assistência médica”, concluem os parlamentares.

São muitos os internos com problemas de saúde. Os casos mais comuns são tuberculose, febres, infecções de garganta, dores de cabeça e problemas respiratórios. Geralmente, os enfermos, inclusive de doenças infecciosas, dividem a cela com internos saudáveis. Também foram identificados casos de detentos com pedras nos rins e com próteses de platina no corpo com prazo de troca vencido.

De acordo com os relatos, os pedidos de atendimento a essas enfermidades não raro são respondidos com jatos de spray de pimenta. “Quando a gente pede remédio, levamos ‘sprayzada’ na cara”, denuncia um preso da Triagem.

A LEP estabelece que a assistência à saúde do preso, seja ele sentenciado ou preventivo, deve contemplar atendimento médico, farmacêutico e odontológico. Aponta, ainda, que caso o estabelecimento não possua a estrutura necessária, o atendimento deve ser prestado em outro local.

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