A posse de Anielle Franco como ministra da Igualdade Racial, em janeiro de 2023, poderia simbolizar um justo capítulo de encerramento na história do assassinato de sua irmã, Marielle Franco. Mas, depois de cinco anos, o caso da vereadora morta a tiros em uma emboscada no centro do Rio de Janeiro, junto do motorista Anderson Gomes, ainda não se encerrou. Entre idas e vindas, trocas de delegados e suspeitas de corrupção, duas perguntas permanecem: Quem mandou matar Marielle? E por quê?
Na ocasião do crime, ocorrido há cinco anos, representantes da ONU disseram que “o assassinato tinha o objetivo de intimidar aqueles que lutam por direitos humanos no Brasil”. A execução de Marielle é uma das 174 mortes de defensoras e defensores de direitos humanos ocorridas entre 2015 e 2019 no país, de acordo com um levantamento feito pelo Alto Comissariado da ONU para os Direitos Humanos.
Em fevereiro, o ministro da Justiça e Segurança Pública, Flávio Dino, determinou a instauração de um inquérito na Polícia Federal, com o intuito de aprofundar as investigações que já são feitas pelo Ministério Público do Rio de Janeiro (MPRJ) e pela Polícia Civil.
De acordo com o diretor-presidente do FBSP (Fórum Brasileiro de Segurança Pública), Renato Sérgio de Lima, essa decisão pode mudar o curso do caso. “A medida inova na abordagem. Isso porque o ministro não revogou a competência estadual para apurar os assassinatos; em vez disso, abriu uma linha paralela de investigação, o que, ao que tudo indica, permitirá o compartilhamento de evidências e elementos técnicos entre a PF e a Polícia Civil”, escreveu Lima, em um artigo da revista piauí.
Em cinco anos, o comando das investigações foi trocado diversas vezes. Enquanto o MPRJ já teve três grupos diferentes de promotores à frente do caso, na Polícia Civil, cinco delegados já chefiaram as apurações.
“A entrada da Polícia Federal pode agregar policiais altamente qualificados ao caso. Mais do que isso: terá o papel de conferir isenção e credibilidade às conclusões que eventualmente forem alcançadas”, acredita Lima.
Marielle Franco nasceu no Complexo da Maré, no Rio de Janeiro, em 1979. Mestra em Sociologia, destacou-se como defensora dos direitos humanos, sendo uma ativista pelos direitos das pessoas negras, LGBTQIA+ e moradoras das favelas e periferias.
Em sua dissertação de mestrado intitulada “UPP – a redução da favela a três letras: uma análise da política de segurança pública do estado do Rio de Janeiro”, apresentada em 2014, ela observou como o modelo de segurança pública do Rio de Janeiro reforça a repressão aos mais vulneráveis.
“O Estado Penal, pelo discurso da insegurança social, aplica uma política voltada para repressão e controle dos pobres. A marca mais emblemática deste quadro é o cerco militarista nas favelas e o processo crescente de encarceramento, no seu sentido mais amplo. As UPPs tornam-se uma política que fortalece o Estado Penal com o objetivo de conter os insatisfeitos ou ‘excluídos’ do processo, formados por uma quantidade significativa de pobres, cada vez mais colocados nos guetos das cidades e nas prisões”, escreveu.
Marielle trabalhou como assessora parlamentar do então deputado estadual Marcelo Freixo por dez anos. E, nas eleições de 2016, elegeu-se como a quinta vereadora mais bem votada do Rio de Janeiro, com 46 mil votos.
Para Raissa Belintani, coordenadora do programa de Fortalecimento do Espaço Democrático da Conectas, o caso de Marielle demonstra para o mundo como defensoras e defensores de direitos humanos são tratados no Brasil. “O assassinato de Marielle Franco revela como pessoas sistematicamente colocadas à margem da sociedade, como negras e LGBTQIA+, quando ousam contestar a estrutura que as oprime e ocupar espaços de poder, são vítimas de inúmeras formas de violência, inclusive execuções sumárias”.
Em artigo da revista Sur, o procurador regional do Ministério Público Federal Marlon Weichert reforçou essa ideia, ao indicar que, no Brasil, há um “grupo social – jovens, negros e pobres — que sofre as três dimensões da violência, são as vítimas preferenciais dos homicídios em geral, dos homicídios praticados pelas forças públicas e, ainda, os encarcerados massivamente”.
As investigações feitas até agora revelam os intrincados nós que existem entre o jogo do bicho, as milícias, as polícias e os políticos na zona oeste do Rio de Janeiro, como afirma Lima, do FBSP, em seu artigo na revista piauí. Destacam, ainda, a predominância do grupo miliciano “Escritório do Crime”, chefiado pelo ex-capitão do Bope Adriano da Nóbrega — que, morto em uma troca de tiros com a polícia, em 2020, foi chamado de herói por Jair Bolsonaro e, quinze anos antes, condecorado por Flávio Bolsonaro.
Desde a ocorrência do crime contra a vereadora e o motorista, duas pessoas foram presas: o ex-policial Ronnie Lessa, acusado de fazer os disparos; e Élcio Queiroz, apontado como motorista do carro. Mas o mistério sobre os mandantes e a verdadeira motivação continua.
Ainda em 2019, a então procuradora-geral da República Raquel Dodge, em seu último ato no cargo, pediu ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) para federalizar a investigação do crime. A suspeita era de que a Polícia Civil do estado do Rio de Janeiro estaria procrastinando para encaminhar as medidas devidas; no entanto, o ato da então PGR foi profundamente criticado pela família, que não teria sido consultada sobre a iniciativa. “Nesse momento, um eventual deslocamento da competência deve gerar mais demora e sacrificará ainda mais quem espera justiça por Marielle e Anderson”, afirmou Mônica Benício, viúva da vereadora, em entrevista a’O Globo. O STJ negou o pedido de federalização.
A entrada da Polícia Federal no caso, em 2023, é um sinal de que Marielle não foi esquecida nestes cinco anos, nem nunca será. Porque, como lembrou Anielle Franco, em seu discurso de posse no Ministério: “Nós estamos aqui porque temos um projeto de país, onde uma mulher negra possa acessar e permanecer em diferentes espaços de tomada de decisão sem ter sua vida ceifada com cinco tiros na cabeça.”