Para fechar uma prisão, é preciso que suas celas estejam vazias. Parece óbvio e simples, mas é esse o entrave que tem ameaçado a capacidade do presidente americano Barack Obama de cumprir, antes do fim do seu mandato, uma de suas primeiras e mais importantes promessas: a de acabar com Guantánamo, símbolo máximo das violações cometidas pelos Estados Unidos na ‘guerra ao terror’.
A prisão completa 14 anos hoje, 11, e sua existência foi alvo de novas e duras críticas por parte da ONU. Em carta pública divulgada hoje, a organização instou o governo americano a fechá-la imediatamente.
O documento foi assinado pelos relatores especiais para a tortura (Juan Méndez), para os direitos humanos e contraterrorismo (Ben Emmerson), para a independência do judiciário (Mónica Pinto), para o grupo de trabalho sobre detenção arbitrária (Seong-Phil Hong), além do diretor do Escritório para Instituições Democráticas e Direitos Humanos da OSCE (Organização para a Segurança e a Cooperação na Europa).
“Os Estados Unidos devem limpar a própria casa – a impunidade gera apenas mais abusos na medida em que os Estados não se sentem obrigados a deixarem de se envolver em práticas ilegais”, afirmaram. Os especialistas pediram, ainda, a responsabilização de todas as pessoas implicadas nas violações cometidas em Guantánamo, inclusive autoridades de alto nível.
O aniversário da abertura de prisão coincide com uma nova rodada de transferências de detentos. Hoje, 11, o saudita Mohammed Shimrani, preso desde 2002, voltou a seu país natal. O mesmo aconteceu com Fayex al Kandari, que retornou ao Kuwait após 14 anos de detenção ilegal. Como a grande maioria dos presos de Guantánamo, eles nunca foram formalmente acusados por qualquer crime.
Na quinta, 7, os iemenitas Mahmud Umar Muhammad bin Atef e Khalid Muhammad Salih al-Dhuby desembarcaram em Gana com status de refugiados. Ambos foram considerados “aptos para transferência” em 2010, depois de um longo processo de revisão de seus casos por seis agências do governo (entre elas, a CIA e o FBI). Isso significa que, desde então, nenhuma suspeita recaía sobre eles.
Apesar disso, Bin Atef e al-Dhuby continuaram detidos até o anúncio da oferta humanitária do governo ganês. A demora se deu pela impossibilidade de voltarem ao Iêmen, que atravessa um grave conflito interno, e por conta da proibição aos detentos de Guantánamo de entrar no território americano (a prisão está localizada em Cuba).
A transferência de presos para terceiros países é hoje um dos principais entraves para o fechamento do complexo. Conforme comunicado do Ministério da Defesa remetido ao Congresso americano no final de dezembro, outros 13 homens devem ser acolhidos por nações ainda não reveladas até o final de janeiro.
A notícia das libertações foi celebrada por organizações de direitos humanos que lutam pelo fechamento de Guantánamo, mas o problema ainda está longe do fim. Com as transferências que devem acontecer este mês, restarão ainda 90 pessoas nas celas da prisão. Destas, 31 já poderiam ser libertadas se algum país se dispusesse a recebê-las.
“Desde sua abertura, Guantánamo funciona como um buraco negro jurídico”, afirma Jessica Morris, diretora Executiva da Conectas. “A dificuldade de encontrar saídas para as pessoas que seguem ali, naquele limbo insuportável, é só mais uma prova de como a doutrina da chamada guerra ao terror afronta a democracia e a justiça. Exigimos que esses homens sejam soltos ou formalmente acusados e julgados pelos Estados Unidos”, completa.
Veja os países que já receberam pessoas que passaram por Guantánamo:
Envolvimento do Brasil
Nos últimos meses, aumentou a pressão para que países latino-americanos se somem aos esforços internacionais pelo fim de Guantánamo. Na última semana de dezembro, a Cúpula Social do Mercosul publicou em sua declaração final um item específico reivindicando a acolhida de ex-prisioneiros pelo bloco.
A indicação faz eco de um relatório publicado em agosto de 2015 pela CIDH (Comissão Interamericana de Direitos Humanos) da OEA (Organização dos Estados Americanos). O documento é explícito no apelo aos países da região para que reafirmem “a longa tradição de asilo e proteção de refugiados” e recebam detentos de Guantánamo.
Apesar da pressão de organizações de direitos humanos brasileiras e internacionais, a presidente Dilma Rousseff ainda não se pronunciou oficialmente sobre a possibilidade de o Brasil contribuir ativamente com o fechamento da prisão.
“Guantánamo foi criada e mantida pelos Estados Unidos, mas é importante que todos os países, sobretudo do continente, se envolvam ativamente no seu fechamento”, afirma Laura Waisbich, assessora de Política Externa da Conectas. “O Brasil tem uma tradição de acolhimento de refugiados, como mostrou em setembro com a renovação da política de vistos humanitários para sírios. Esperamos que o governo Dilma perceba nesse caso uma oportunidade única de reafirmar seu compromisso com o fim da tortura no mundo”, completa.
Em junho de 2015, durante a visita da presidente a Barack Obama, Conectas publicou cinco razões pelas quais o país pode e deve receber os homens de Guantánamo como refugiados. Veja: