O governo de São Paulo responderá na Justiça por submeter familiares de presos a revistas vexatórias nos centro de detenção provisória I e II de Guarulhos. A ação coletiva por danos morais foi protocolada pela Conectas ontem, 20/5, a partir de 24 cartas recebidas pela organização nos últimos meses. Os relatos mostram que mulheres, idosas e crianças são sistematicamente obrigadas a se despir, agachar, fazer força, abrir o ânus e a vagina diante de agentes carcerárias a fim de terem as partes íntimas inspecionadas – uma rotina que se repete na maioria dos presídios brasileiros.
Segundo a ação, a revista vexatória contraria a Constituição e diversos tratados internacionais assinados pelo País, além de não se amparar em nenhuma norma ou lei brasileira e de colocar em risco as relações dos presos com seus familiares.
“Os efeitos sociais da transcendência da aplicação da pena e da violação da proteção constitucional da entidade familiar, ocasionadas pela revista íntima vexatória, tornam-se inevitáveis”, diz o documento. “Na medida em que o próprio Estado de São Paulo viola bens coletivos garantidos pela Carta Constitucional, quem suportará o ônus será toda a sociedade, que não verá surtir efeito o objetivo ressocializador da execução penal.”
O processo pede a responsabilização do Estado pelas violações cometidas contra os familiares de presos nos CDPs I e II e o pagamento de uma indenização no valor de R$ 1 milhão por danos morais coletivos – o valor será direcionado para um fundo de direito difuso que financiará políticas públicas na área prisional. A ação também poderá ser usada por familiares que desejarem buscar reparação individual.
“Essas pessoas são submetidas a um dos procedimentos mais humilhantes de que se tem notícia sem qualquer suspeita fundamentada. Para o Estado de São Paulo, elas são criminosas apenas por terem vínculos afetivos com pessoas presas – no caso do CDP, é importante notar, esses detentos não foram sequer julgados e condenados”, afirma Rafael Custódio, coordenador de Justiça da Conectas.
Justificativas vazias
A revista vexatória já foi condenada pela ONU e pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos, mas ainda é aplicada na maioria dos presídios brasileiros sob a justificativa de impedir a entrada de objetos ilícios.
Pesquisas mostram que a afirmativa não se sustenta. Levantamento da Rede de Justiça Criminal elaborado com informações da Secretaria de Administração Penitenciária de São Paulo mostram que apenas 0,03% dos visitantes foram flagrados com itens considerados proibidos. Em nenhum dos casos houve apreensão de arma. A pesquisa levou em conta dados coletados nos meses de fevereiro, março e abril de 2010, 2011, 2012 e 2013.
Projeto de lei
Uma campanha nacional foi lançada no dia 23/4 pela Rede de Justiça Criminal, da qual Conectas faz parte, para pedir a aprovação do Projeto de Lei 480/2013, acabando com a revista vexatória em todo o País. Áudios e vídeos construídos sobre depoimentos reais mostram a humilhação a que são submetidos os familiares de presos em dias de visita. A campanha contou com a participação da atriz Denise Fraga e do rapper Dexter.
Acesse o site da campanha e assine a petição: www.fimdarevistavexatoria.org.br.
O que diz a lei
Logo em seu primeiro artigo, a Constituição de 1988 define a dignidade como um dos fundamentos do Estado Democrático de Direito. Em Seu artigo 5o, inciso X, a Carta garante a inviolabilidade da intimidade e o direito à indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação. O inciso XLV, por sua vez, estabelece que a pena não pode ultrapassar a pessoa do condenado.
Ainda no artigo 5o, parágrafo III, a Constituição assegura que ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante. O mesmo estabelece o artigo 5o da Declaração Universal dos Direitos Humanos.
Também vale sublinhar o artigo 41, inciso X, da Lei de Execução Penal, que garante a visita do cônjuge, da companheira, de parentes e amigos como direito do preso, não podendo a administração criar obstáculos desnecessários ao exercício desse direito.
A partir disso, o CNPCP (Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária) adotou resolução (número 9, junho de 2006) determinando o respeito à dignidade dos visitantes no momento da revista. Além de obrigar o estabelecimento prisional a possuir detectores eletrônicos capazes de identificar armas, explosivos e drogas, a resolução também define que a revista manual deverá ser efetuada em caráter excepcional e quando houver fundada suspeita. Ainda assim, diz o documento, a revista deverá ocorrer com consentimento do familiar.
Órgão internacionais também já se mostraram contrários ao procedimento. Em 2011, o SPT (Subcomitê de Prevenção da Tortura das Nações Unidas) recomendou que o Brasil assegure o cumprimento dos critérios de necessidade, razoabilidade e proporcionalidade nas revistas íntimas. Afirmou, além disso, que os procedimentos devem ser realizados sob condições adequadas de higiene, por pessoal qualificado do mesmo sexo e respeitando os direitos fundamentais. Para o SPT, revistas intrusivas vaginais ou anais devem ser proibidas.
A proibição dessas revistas, como recomendada pelo Subcomitê, fundamentou-se no artigo 16 da Convenção contra a Tortura e nas regras 19 a 21 das Regras de Bangkok, que estabelecem parâmetros mínimos para o tratamento de mulheres reclusas.
Para Juan Mendes, relator especial da ONU para a tortura, as revistas íntimas se caracterizarem como uma prática “humilhante e degradante” ou até mesmo como “tortura, quando conduzidas com uso de violência”.