Reportagem divulgada pela BBC, com base em acesso a telegramas do Itamaraty enviados às representações diplomáticas brasileiras, afirma que o Brasil deve sair do Pacto Global para Migração, acordo da ONU (Organização das Nações Unidas) assinado em dezembro passado por 164 países, incluindo o Brasil, para reforçar a cooperação internacional para uma migração segura, ordenada e regular.
Sem vinculação jurídica, o Pacto destaca 23 objetivos para a cooperação internacional como facilitar a regularização migratória, fornecer serviços básicos para migrantes e eliminar todas as formas de discriminação.
O Ministério das Relações Exteriores ainda não confirmou oficialmente a saída do Pacto. Entretanto, nesta quarta-feira, 9, o presidente Jair Bolsonaro divulgou pelo Twitter mensagem em que criticava o documento.
“O Brasil é soberano para decidir se aceita ou não migrantes. Quem por ventura vier para cá deverá estar sujeito às nossas leis, regras, e costumes, bem como deverá cantar nosso hino e respeitar nossa cultura. Não é qualquer um que entra e nossa casa, nem será qualquer um que entrará no Brasil via pacto adotado por terceiros”, afirmou.
De acordo com Camila Asano, coordenadora de programas da Conectas Direitos Humanos, a declaração do presidente está em desencontro com o conteúdo do Pacto Global para Migração e das próprias leis brasileiras sobre a matéria, que não colocam em risco a soberania nacional, mas que trata a questão do ponto de vista de direitos humanos.
“Ao anunciar a saída do Pacto, o governo Bolsonaro adota uma gramática antiquada e equivocada de considerar o migrante como ameaça à soberania nacional. Ao mesmo tempo, esquece-se que a decisão tem impacto significativo sobre os brasileiros que atualmente vivem no exterior. Hoje temos mais brasileiros vivendo fora do que pessoas de outras nacionalidades aqui no Brasil”, declarou Asano.
“O Brasil vai minando uma das suas principais credenciais internacionais: ser um país formado por migrantes e com uma política migratória vista como referência, o que vinha dando voz potente ao Brasil nas discussões internacionais sobre o tema”, lamentou.
Sinais contraditórios
O trato do governo Bolsonaro ao Pacto Global para Migração contradiz recomendação do Grupo de Lima, do qual o Brasil faz parte, sobre a crise migratória venezuelana e a importância dos órgãos multilaterais nas soluções de questões de política externa.
Na última sexta-feira, 4, durante a estreia de Ernesto Araújo no cargo de chanceler brasileiro, o Grupo de Lima divulgou uma declaração na qual os países “renovam seu compromisso (…) de prestar assistência aos migrantes procedentes da Venezuela, assim como de promover e desenvolver iniciativas de coordenação regional em resposta a essa crise”. A declaração renova a importância dada também a foros e esforços multilaterais, citando a ONU.
“O governo Bolsonaro vem mandando sinais muito contraditórios a respeito do espaço do multilateralismo em seu governo, ameaçando longa tradição brasileira de ser um ator de destaque na política internacional”, analisa Asano. “De qualquer modo, a participação do Brasil na Declaração de Lima abre espaço para cobrar do governo Bolsonaro um compromisso com a continuidade e aprofundamento das políticas de acolhimento, interiorização e integração de venezuelanos que buscam refúgio no Brasil, sem entraves para a entrada segura dos migrantes, tampouco com medidas extremas como possíveis campos de refugiados”, finaliza.
O que é o Pacto Global
Inspirado na Carta das Nações Unidas e na Declaração Universal dos Direitos Humanos, o Pacto Global para Migração foi assinado por 164 países, entre eles o Brasil, em dezembro de 2018, em conferência que ocorreu em Marraquexe, no Marrocos.
Trata-se de um documento abrangente para melhor gerenciar a migração internacional, enfrentar seus desafios e fortalecer os direitos dos migrantes, contribuindo para o desenvolvimento sustentável e expressa o compromisso coletivo dos Estados-membros de melhorar a cooperação na migração internacional.
O Pacto “reconhece que nenhum Estado pode abordar a migração sozinho e defende sua soberania e suas obrigações sob a lei internacional”. O documento apresenta uma estrutura cooperativa não juridicamente vinculante que se baseia nos compromissos acordados pelos próprios Estados há dois anos na Declaração de Nova Iorque para Refugiados e Migrantes.
De acordo com a ONU, atualmente 258 milhões de pessoas estão deslocadas ou são migrantes, o que representa 3,4% da população mundial.
O documento destaca 23 objetivos para a cooperação internacional em relação à imigração. São eles: