O Senado deve votar em primeiro turno na tarde de hoje (29/11) a proposta de emenda constitucional (PEC 55/16) que congela os investimentos em áreas como saúde e educação pelos próximos vinte anos. A medida, apresentada pelo governo federal como imprescindível para a recuperação econômica do país, é alvo de duras críticas por parte de organizações de direitos humanos, que, ao contrário, acreditam que os cortes nos gastos públicos vão aprofundar a desigualdade e violar direitos fundamentais das populações mais vulneráveis. O texto já foi aprovado em dois turnos pela Câmara.
Em documento de análise enviado hoje ao relator especial da ONU sobre extrema pobreza e direitos humanos, Philip Alston, Conectas, Oxfam Brasil, Inesc (Instituto de Estudos Socioeconômicos) e o CESR (Center for Economic and Social Rights) afirmam que, se aprovada, a PEC 55 “resultará em uma grave erosão dos direitos sociais como resultado de uma despesa real per capita ainda menor, já que a demanda por serviços aumentará enquanto que as receitas não crescerão, minando o avanço em vários direitos sociais”.
Conectas sintetizou, em cinco perguntas e respostas, os principais impactos que a PEC 55 pode ter sobre os direitos humanos no Brasil:
1. Da maneira como está sendo votada, a PEC 55 viola direitos humanos?
Sim. A população brasileira está aumentando e envelhecendo, o que significa que, sem aumento real nos gastos públicos, cada pessoa vai receber uma fatia cada vez menor do orçamento para áreas fundamentais. Isso é erodir, aos poucos, os direitos sociais conquistados nas últimas décadas, afetando principalmente os grupos sociais mais vulneráveis, que dependem exclusivamente dos serviços públicos. No caso da saúde e da educação, isso é especialmente perverso porque são garantias fundamentais para a realização de outros direitos.
2. Que outras garantias, além de saúde e educação, serão afetadas se o Senado aprovar a proposta?
A PEC 55 poderá ter um efeito ainda pior sobre áreas que sequer possuem piso mínimo constitucional, como por exemplo segurança pública, ciência e tecnologia e infraestrutura social – que inclui, por exemplo, saneamento, mobilidade urbana e moradia popular. Ao determinar um teto global para os gastos públicos, corrigidos anualmente apenas pela inflação, a proposta fará com que essas políticas sociais disputem recursos já limitados com todos os demais gastos orçamentários, com quase nenhuma margem para que governos eleitos no futuro possam democraticamente rever a medida.
3. Por que a PEC 55 viola tratados assinados pelo Brasil?
O Brasil é signatário de diversos tratados internacionais, entre eles o Pacto Internacional de Direitos Econômicos Sociais e Culturais, a Convenção sobre os Direitos da Criança e o Protocolo Adicional à Convenção Americana sobre Direitos Humanos na Área dos Direitos Econômicos Sociais e Culturais.
De acordo com os órgãos internacionais que monitoram o cumprimento desses tratados, embora os países possuam margem de atuação para combater crises econômicas, nenhum governo pode impor sacrifícios coletivos sem que antes sejam observados parâmetros mínimos. Segundo tais organismos, toda medida fiscal deve: 1) ser temporária, estritamente necessária e proporcional; 2) não discriminatória; 3) levar em consideração todas as alternativas possíveis, incluindo medidas tributárias; 4) ser submetida à participação efetiva e genuína das populações mais afetadas. A PEC 55 não passa em nenhum desses testes.
4. E há alternativas?
Sim, e os tratados internacionais dos quais o Brasil é parte exigem que elas deveriam ser cuidadosamente analisadas antes da aprovação da PEC. Uma alternativa seria incrementar as receitas através, por exemplo, do combate mais rigoroso à evasão fiscal – um movimento que, segundo especialistas, poderia levantar até US$ 80 bilhões (valor muito superior, inclusive, ao déficit fiscal projetado para 2016, de US$ 50 bilhões).
Outra possibilidade é reduzir as injustiças do sistema tributário brasileiro, em que os mais ricos pagam proporcionalmente menos impostos que os mais pobres. Segundo o Ministério da Fazenda, entre 2007 e 2013, aqueles que ganham mais de R$ 140,8 mil anuais tiveram uma redução na alíquota efetiva do imposto de renda de 0,5%, enquanto os que ganham menos de R$ 17,6 mil tiveram um aumento de 1,6%.
5. Há outros exemplos de medidas dessa natureza? Quais os impactos de medidas de austeridade nos direitos sociais?
Não. Não há precedentes no Brasil ou no mundo. Embora muitos países tenham feito ajustes fiscais para enfrentar crises econômicas, nenhum reformou sua constituição, e todos tiveram um prazo de duração bem menor. Especialistas de instituições como o FMI (Fundo Monetário Internacional) apontam que estratégias do tipo “cortar para crescer” não funcionam quando a economia já está debilitada e que medidas de austeridade centradas nos gastos – como é o caso da PEC 55 – pioram os níveis de desemprego e aumentam a desigualdade.