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28/10/2018

Exigiremos do presidente eleito o respeito à Constituição

Medidas já anunciadas esbarram na Constituição. Sociedade civil que atua pela defesa da democracia e dos direitos humanos fará frente contra retrocessos

Jair Bolsonaro é eleito presidente do Brasil Jair Bolsonaro é eleito presidente do Brasil

Sem debate de ideias, sem propostas claras, mas repleta de desinformação, frases vazias mas de impacto, discurso de ódio e autoritarismo, a candidatura à presidência de Jair Bolsonaro conquistou a maioria dos votos no segundo turno neste domingo, 28, e foi declarada vencedora.

O histórico do agora presidente eleito e de seus assessores mais próximos somado às poucas e desarticuladas propostas contidas no plano de governo apresentado ao TSE (Tribunal Superior Eleitoral) dão mostras de uma série de ameaças a liberdades democráticas e do desmantelamento de políticas públicas que garantem direitos duramente conquistadas nos últimos trinta anos.

A segurança pública é uma das áreas que deve ser afetada com maior brevidade. O candidato se posiciona pelo punitivismo. Na contramão de qualquer estudo nacional ou internacional sobre segurança pública, Bolsonaro é abertamente favorável ao porte de arma a qualquer pessoa como “direito à legítima defesa” e já declarou sua intenção de revogar o Estatuto do Desarmamento, uma política aprovada em 2003 e que, estima-se, poupou 160 mil vidas de 2004 a 2015. Outras medidas populistas que também não encontram respaldo em experiências internacionais ou estudos sérios são esperadas como a redução da maioridade penal, o endurecimento de penas e o excludente de ilicitude — em outras palavras, uma carta branca para a polícia matar com impunidade. Todas essas medidas, sabemos, terão um alvo muito claro: a população jovem, negra e periférica que compõe a maior parte das estatísticas de violência do país.

No campo socioambiental, preocupa a proposta de extinguir o Ministério do Meio Ambiente e submetê-lo ao Ministério da Agricultura, uma vez que a indústria agropecuária é justamente o setor responsável por boa parte da derrubada de florestas nativas da Amazônia. Este processo, consequentemente, representa um conflito de interesses com órgãos de controle e fiscalização que hoje pertencem à pasta do Meio Ambiente, como o Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis) e o ICMBio (Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade). O pacote pode ainda incluir o enfraquecimento do licenciamento ambiental e do combate ao trabalho escravo, além da saída do Brasil do Acordo de Paris, principal carta internacional de compromissos contra as mudanças climáticas.

Falas do agora eleito presidente anunciam que indígenas e quilombolas tampouco terão paz na futura gestão. Bolsonaro já declarou que, em um eventual governo seu, nenhum território seria demarcado e ameaça cancelar nada menos que 129 processos de demarcação de terras em andamento. Na mesma direção está a proposta de abrir territórios protegidos à mineração ou à venda, medida que contraria a Constituição.

Outros grupos podem ser afetados pelas políticas de Bolsonaro e seu declarado desdém às minorias, como negros, LGBTs, mulheres e migrantes. Preocupa sobremaneira uma mudança radical no tratamento a venezuelanos, população que, desde o final de 2016, tem migrado a diversos países da região, incluindo o Brasil. As propostas de abrir campos de refugiados na fronteira, restringir a entrada de pessoas e de dificultar o acesso à regularização do status migratório contradizem a legislação atual, os compromissos internacionais assumidos pelo Brasil e teriam consequências sociais trágicas. Ineficaz para evitar que mais migrantes ingressem no país, medidas como estas tornariam essa população ainda mais vulnerável e exposta à xenofobia. A própria lei de migração (lei 13.445/2017) encontra-se sob ameaça, uma vez que Bolsonaro já declarou sua intenção de revogá-la, ignorando um longo processo de discussão e construção suprapartidária que contou com a participação e apoio da sociedade civil e conferiu prestígio internacional ao país.

Os planos de Bolsonaro para a política externa poderão isolar o país e, inclusive, prejudicar relações comerciais vitais com outras nações.

Preocupa ainda a tentativa de criminalização de movimentos sociais e as falas vagas, mas ameaçadoras e intimidatórias, contra o ativismo no Brasil. Conectas sempre se posicionou contrária à proposta de lei antiterrorista em razão de sua possível instrumentalização contra movimentos sociais. Se na época de sua aprovação, em 2016, a justificativa da lei era a necessidade de proteger o país contra o terrorismo, agora Bolsonaro fala claramente em utilizá-la contra movimentos que pressionam o governo para diversas causas, como a reforma agrária e o acesso à moradia. Esse posicionamento, irresponsável e antidemocrático, pode ainda incendiar a violência no campo.

Na mesma linha estão os ataques e ameaças a veículos de imprensa críticos a suas ações. A liberdade de imprensa é requisito de uma democracia saudável. Qualquer indivíduo, inclusive o próprio presidente da República, tem o direito de defender-se apresentando provas e argumentos, mas a atitude de Bolsonaro dá mostras claras de dificuldade em aceitar oposição e críticas, uma postura que não corresponde com a responsabilidade do cargo que assumirá em janeiro de 2019.

Capitão reformado do Exército, Bolsonaro precisa entender que a lógica militar de combate ao inimigo é incompatível com o cargo civil de presidente da República. A incitação à violência contra opositores, o discurso de ódio contra minorias, ativistas e organizações da sociedade civil, o desprezo aos direitos fundamentais e aos valores democráticos configuram-se como um desrespeito aos próprios princípios da Constituição, a qual ele está submetido. O mandato presidencial não representa um salvo conduto a arbitrariedades de qualquer natureza e está limitado pela lei e pela separação de poderes. Mais do que nunca, as demais instituições como o Legislativo, Judiciário e governos estaduais e municipais deverão assumir suas responsabilidades diante da democracia e de abusos que possam vir por parte do Executivo Federal.

A democracia não se resume ao pleito eleitoral. A democracia é uma construção diária, um exercício contínuo de cidadania dentro de regras claras e pré-estabelecidas. A Conectas seguirá fazendo parte dessa construção, trabalhando incansavelmente pela promoção e defesa dos direitos humanos e do Estado democrático de direito. Não hesitaremos em cobrar do próximo governo que cumpra a Constituição. Não hesitaremos em denunciar para o mundo qualquer arbitrariedade e violação. A sociedade civil está mais viva e forte do que nunca.

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