Organizações, coletivos e movimentos brasileiros denunciaram na CIDH (Comissão Interamericana de Direitos Humanos da OEA) 14 casos que evidenciam os impactos ambientais e socioeconômicos da exploração minerária no Brasil. Entre eles estava o do rompimento da barragem de Fundão, das empresas Samarco, Vale e BHP Billiton na cidade mineira de Mariana em novembro de 2015, que atingiu direta e indiretamente cerca de 3,2 milhões de pessoas e contaminou a bacia hidrográfica do Rio Doce, uma das mais importantes do país. A audiência extraordinária ocorreu na quarta-feira (8/6) na cidade de Santiago, no Chile.
Segundo as entidades, a tragédia de Mariana não é um caso isolado porque deriva de um modelo de exploração dos recursos naturais que se repete, com as mesmas consequências, em todo o país. Ele é caracterizado, de acordo com as organizações, pela aliança entre Estado e empresas, tanto por meio do financiamento público e desonerações fiscais como pelas doações a campanhas eleitorais.
“O Estado fala que esteve presente o tempo todo na área do desastre, mas o que denunciamos é o protagonismo das empresas em todos os momentos, desde o cadastramento dos atingidos até o recebimento das doações que vinham de todo o país”, afirmou Raphaela Lopes, advogada da ONG Justiça Global. “É um absurdo que a empresa responsável pelo desastre se encarregue de gerir as reparações advindas desse mesmo desastre”, completou, referindo-se ao acordo assinado entre a União, os estados de Minas Gerais e Espírito Santo e as empresas donas da barragem.
O termo, ratificado pela justiça federal em maio, vem sendo questionado pelas organizações justamente por ter sido elaborado e assinado à revelia das comunidades atingidas. Ele cria uma estrutura dupla para gerir os recursos e os projetos de recuperação da bacia do Rio Doce, além de acompanhar sua implementação: um comitê interfederativo e uma fundação privada. Em ambos os órgãos, o espaço para a sociedade civil é limitado.
Navegue pelo mapa e entenda os 14 casos denunciados pelas organizações à CIDH.
A resposta do Brasil às denúncias veio de Homero Andretta Junior, coordenador geral do departamento de patrimônio e meio ambiente da AGU (Advocacia Geral da União). Andretta defendeu a assinatura do acordo porque ele acabaria com a discussão sobre responsabilidades, já que as empresas assumem sua culpa pelo desastre, e porque permitiria a rápida execução das ações de reparação, uma vez que os fundos serão geridos por uma entidade privada. Por fim, afirmou que a participação da população está garantida através do comitê gestor da fundação, que terá três vagas para representantes dos municípios atingidos.
“Como é possível prever ações para reparar a vida das pessoas sem escutá-las?”, questionou Letícia Oliveira, do MAB (Movimento dos Atingidos por Barragens) durante a audiência. “As ações serão feitas do jeito e no prazo que a empresa quer. O Estado deveria estar do lado dos atingidos”, completou.
Para Caio Borges, advogado do programa de Empresas e Direitos Humanos da Conectas, o debate sobre a falta de participação no acordo firmado entre a administração pública e as empresas é sintomático: antes e depois de desastres como o de Mariana, as comunidades e populações vulneráveis são sistematicamente ignoradas. “Os casos relatados no informe entregue à CIDH provam que Mariana não é um caso isolado e que o cenário pode ser agravado pela aprovação de novas leis que fragilizam, ainda mais, os instrumentos que a sociedade dispõe para controlar esse setor. É o caso da PEC 65/2012, que na prática acaba com o processo de licenciamento ambiental”, explica.
A proposta mencionada por Borges foi aprovada pela Comissão de Constituição e Justiça do Senado em abril, mas, por conta de requerimento apresentado pelo senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP), terá de passar por nova votação antes de ir a plenário.
Para evitar que tragédias como a de Mariana se repitam, as entidades fizeram uma série de recomendações ao governo brasileiro. Entre elas está a mudança da lei para garantir a apresentação de estudos de impactos em direitos humanos como condição para a aprovação de empreendimentos, a vinculação dos impostos pagos pelas empresas a políticas de saúde, educação e diversificação econômica e a criação de uma norma para regular direitos e deveres em eventos catastróficos provocados pela atividade minerária. Por fim, pediram que a CIDH instaure um processo perante a Corte para escutar e apurar o relato das comunidades afetadas.
Assista a audiência na íntegra: